Literatura e Nacionalismo em Angola
«(…) É evidente que as condições gerais da existência que foi imposta
ao escritor nos países africanos sob dominação portuguesa explicam o estado actual
de desenvolvimento da literatura nesses países e a ignorância do público
internacional acerca do seu lugar no património cultural da África Negra. Isto
tem a ver, em primeiro lugar, com as consequências de um sistema colonial
particularmente opressor. Com efeito, uma estrutura social do tipo colonial não
poderia de maneira nenhuma suscitar o desenvolvimento da cultura. Não é apenas
uma classe que na situação colonial dispõe à vontade dos meios de produção
espiritual, mas toda a sociedade dominante. Já se notou o suficiente como o
colonizador manobra para reduzir os colonizados a simples consumidores da
cultura dele, colonizador.
A política de assimilação espiritual praticada pelos portugueses é baseada
num critério de superioridade cultural, porque se integra no quadro de uma
ideologia colonial. Alguns, como o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre,
afirmam que os países tropicais colocados outrora ou actualmente sob a
dominação de Portugal e sob a direcção do cristianismo (Brasil, África, Índia,
Madeira, Açores) constituem ainda hoje uma unidade de sentimento e de
cultura. A operação desta unidade seria, em sua opinião, um resultado
lógico dos métodos e das condições da colonização portuguesa, da cordialidade e
da simpatia características do povo português, o mais cristão dos colonizadores
modernos nas suas relações com as pessoas ditas inferiores. O Português, pelos
seus contactos com os árabes, possuiria uma aptidão hereditária para viver sob
o sol dos trópicos e uma predisposição para as aventuras sexuais com as
mulheres de cor, sob o signo da Vénus morena...
Freyre admite desde aí uma originalidade, uma forma de aptidão biológica
e social do português, civilizador dos trópicos. Se por esta doutrina do
luso-tropicalismo se devesse entender, como quer o sociólogo brasileiro, uma
civilização e uma cultura próprias a todos os países tropicais de língua portuguesa
teria sido preciso verificar em todas essas áreas formas de produção espiritual
comuns a umas e outras. Ora não é nada assim. Não há tradições comuns vividas
de uma maneira autêntica entre tal camponês de Angola e tal outro da província
do Alentejo, entre o moçambicano e o brasileiro. Aliás, a percentagem de
analfabetismo entre as populações negras da Guiné, de Angola e de Moçambique
(99%) invalida a existência de uma civilização luso-tropical veiculada pela
língua portuguesa.
No caso português, a assimilação é sempre traduzida praticamente por uma
desestruturação dos quadros negro-africanos e a criação de uma elite quantitativamente
reduzida. Ela apresenta-se como a receita mágica que conduziria o indígena das
trevas da ignorância até à luz do saber. Uma forma de passagem do não-ser ao
ser cultural, para empregar a linguagem hegeliana. Também os intelectuais dos
países sob a dominação portuguesa se esforçaram por enfrentar e resolver correctamente
o problema gerado pela assimilação: rejeição definitiva do substratum
negro-africano? Diluição na cultura dominante? Aceitação da pseudo-condição de
mestiço cultural?
Paralelamente a estas interrogações, e por vezes confundidos com elas, delineiam-se
os gestos e as atitudes fundamentais que vão conduzir os intelectuais angolanos
ao aprofundamento da sua própria consciência nacional. Os escritores que
decidem rejeitar o estilo literário aprendido na escola portuguesa vão ajudar,
através das suas obras, a cristalizar nos países o sentimento de independência
nacional. Este esforço exercer-se-á primeiro sobre um meio restrito, o meio
urbano, mas o povo entenderá os seus ecos. Em Angola como em Moçambique exerce-se
uma das pressões coloniais mais fortes sobre todas as tentativas de afirmação cultural
e particularmente literária dos criadores africanos. Assim, as culturas
africanas, em geral bantas, nunca puderam encontrar um quadro para a fixação
completa e o desenvolvimento de uma literatura escrita moderna. Todas as formas
de criação literária procedentes desta região ficaram no estado oral e mantidas
numa espécie de clandestinidade tribal.
À medida que os cidadãos saídos da comunidades africanas se elevavam até
à tomada de consciência cultural, pelo jogo de uma administração que deixava
alguns lugares vagos aos negros nos estabelecimentos escolares da colónia, eles
exprimiam-se em português. Isso não impediu que em Angola espíritos
clarividentes como Cordeiro Matta avaliassem a contribuição das culturas bantas
e empreendessem a fixação da sua língua materna. Foi Cordeiro Matta quem, no
fim do século XIX, estabeleceu o primeiro dicionário quimbundo-português e
quem, além dos seus ensaios de análise histórica de conto e de poesia, realizou
uma obra consequente no domínio do folclore angolano». In Mário Pinto Andrade, Um
Intelectual na Política, coordenação de Inocêncio Mata, Edições Colibri,
Lisboa, 2000, ISBN 972-772-188-5.
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Colibri/JDACT