jdact
Defesa da Doutrina
«(…) No combate às ideias que punham em causa os princípios em que assentava
a soberania temporal, vai-se acentuando a tendência para defender a monarquia
absoluta contra tudo o que pudesse concorrer para um mandato condicional da
soberania do rei. Nesse sentido se deverá interpretar o anti-curialismo
Setecentista, não identificável, pois, com as formas de anti-clericalismo que
se desenvolvem nos séculos XIX e XX. Naquele, a questão central era o relacionamento
entre o Estado e a Igreja, com vista à libertação de condicionamentos que
permitisse a expansão da sociedade civil. A remodelação da censura feita por
Pombal visava restringir o poder de Roma em favor do controlo pelo Estado. Na
cena da luta ideológica, reconhecia-se a indispensabilidade da defesa da
Doutrina e do Dogma contra os ateus, ímpios, sacrílegos, hereges, tanto
inspirados em outras religiões como em pervertidos filósofos destes últimos
tempos, que pretendiam reduzir a omnipotência divina e os seus mistérios à
limitada esfera da compreensão humana. O combate apresentava como justificação
central a necessidade de extirpar a influência dos jesuítas, a que se atribuíam
muitos dos males do tempo. A orientação da Censura tinha, assim, como principal
base a Dedução Cronológica e Analítica, compilação de todas as acusações
que se haviam feito contra os jesuítas, além de elaboração programática
respeitante à defesa dos poderes do Estado e de atribuições mais ampliadas à
igreja nacional. Partindo da alegada necessidade de combater os jesuítas, era,
pois, toda uma larga apologia de um corpo de princípios e de doutrina indispensável
para a segurança do Estado. O poder temporal assentava a sua defesa ideológica,
assim, em grande medida, na base sagrada.
Defesa da Sociedade
A modificação que se dá no conteúdo essencial da censura no último quartel
do século XVIII (independentemente das formas que assumiu) tem a ver com o
convulsionamento que então se regista da sociedade portuguesa e, também, os
ecos que a ela chegam das perturbações exteriores. Entenda-se, porém, que,
diferentemente do que se passa lá fora, não é a questão do regime político que
está acima de tudo em foco. Esse encontrava-se relativamente estabilizado
através do equilíbrio entre o poder secular e o poder religioso conseguido,
ainda que precariamente, sob a rainha Maria I. Aqui, o que perturba e inquieta
o Poder é, acima de tudo, a instabilidade e insegurança sociais que se mostram
sob vários aspectos. Eram abalados como nunca alguns dos tradicionais suportes
da sociedade.
Via-se que o regime senhorial constituía um obstáculo a que fossem ultrapassadas
as maiores dificuldades estruturais da nossa agricultura. A grande aristocracia
rural, absenteísta, não mostrava condições, contrariamente ao que acontecera na
Grã-Bretanha, para ser motor de modernização. Menos, ainda, no imenso domínio
territorial da Igreja, à margem dos grandes circuitos de comercialização
marítima. Antes da Revolução Francesa, já a pressão camponesa punha em causa em
algumas regiões a ordem tradicional dos campos. Também os ditames fisiocráticos
da Academia Real das Ciências e as próprias exigências do Estado mostravam a
fragilidade do regime senhorial. Abalavam-se os sustentáculos da sociedade
tradicional. À luz dos interesses gerais da sociedade e dos princípios do
Direito Natural assistia-se, de facto, à subversão de relações sociais
tradicionais. As próprias formas de tratamento eram disso expressão, de nada
servindo as severas medidas legislativas tomadas. Normas seculares que sempre
haviam pautado os contactos sociais, as relações familiares, os códigos sexuais
eram desrespeitados, na prática, com muito mais frequência». In
José Tengarrinha, Da Liberdade Mitificada à Liberdade Subvertida, Uma
Exploração no Interior da Repressão à Imprensa Periódica de 1820 a 1828,
Edições Colibri, Lisboa, 1993, ISBN 972-8047-29-0.
Cortesia de Colibri/JDACT