Lições
de matrimónio imperial
«(…) Almeida, que chegaria a ser
mordomo da filha de dona Joana durante o seu exílio em Portugal, relata também
que Leonor esperava na sua câmara que o marido a fosse buscar e, ao ver aparecer
no seu lugar um servidor de Frederico, respondeu dizendo que se o imperador não
a fosse buscar em pessoa, ela não sairia dali. Consciente da importância política
que significava a consumação do matrimónio com a esposa, como ratificação da
sua aliança com o papado, e para tornar efectivo o dote, o marido fez o que a
sua mulher lhe pedira.
Segundo as crónicas castelhanas,
em finais de 1452, o rei de Castela, fazendo uma pausa no seu vertiginoso ir e
vir por Castela, passou dez dias seguidos com a esposa para tentar que ela
voltasse a ficar grávida. Esperanças que não eram somente suas, como também dos
súbditos castelhanos, preocupados pelo facto de o príncipe das Astúrias não ter
descendência. Os rumores que tinham corrido nos dias posteriores à sua boda, a
separação de Blanca, e o facto de também não se lhe conhecer nenhum filho
bastardo, numa época em que nem sequer muitos bispos se livravam disso, criavam
bases tanto para vozes maldizentes como para legítimos temores. Não obstante os
seus esforços, o rei castelhano não conseguiu engravidar a mulher naquele ano;
com grande desgosto de ambos e também do condestável Álvaro Luna, que, como
afirmam várias crónicas da época, era quem decidia os momentos em que o rei
devia procriar com a rainha Isabel.
De qualquer modo, a informação
obtida pelos espiões de Villena acerca das tentativas fracassadas do rei para
engravidar a esposa teve efeito em torno do príncipe das Astúrias. Como relata
um biógrafo de Enrique, naquele momento os projectos do marquês de Villena
estavam a alcançar cotas mais altas. Para isso, era necessário que o
condestável desaparecesse, de modo que ele pudesse ocupar o seu papel em
Castela. Mas este plano estaria em perigo se Isabel de Portugal ficasse
novamente grávida e desse à luz um filho varão. De maneira que, para Villena,
era necessário que Enrique voltasse a casar e tentasse ter descendência por
todos os meios. Naturalmente que, antes disso, deveria romper os laços
canónicos que o uniam a Blanca de Navarra: conjecturas aparte, a exigência de
divórcio teve de apresentar-se antes de terminar o ano (1452), dando tempo para
que o juiz estudasse o caso de antemão, em conformidade com o que consta na
sentença. Para alegria do rei castelhano e angústia do príncipe das Astúrias,
em meados de Fevereiro de 1453 Isabel de Portugal voltou a engravidar, notícia
da qual se deverá ter tido confirmação definitiva em meados de Março. Não
parece casual, portanto, que a 27 de Março de 1453, a partir de Évora, o rei
Afonso V de Portugal tivesse escrito ao seu honrado conde amigo, Alonso
Pimentel, com a intenção de o informar de que o príncipe de Castela lhe
solicitara um encontro com ele, no qual lhe tinha pedido solenemente a mão da
infanta dona Joana, minha muito apreciada irmã.
O facto de o monarca português
comunicar esta informação ao conde de Benavente pode considerar-se como um
indício importante de que Pimentel se encarregara antecipadamente desta
questão, mantida em segredo até então para não despertar os receios do rei
castelhano. Por dados de crónicas e documentos posteriores sabe-se que, antes
de 27 de Março, Afonso V de Portugal se mudara para Monsaraz, povoação próxima da
fronteira com Castela, onde o seu primo Enrique lhe pedira que se cumprisse a
aliança dinástica acordada em segredo em 1447. É possível que não fosse casual
o facto de este pedido se realizar em Monsaraz, uma vila confinante com
Castela, muito estratégica, uma vez que do seu castelo era possível vigiar o
rio Guadiana. Era então habitada por uma pequena mas muito activa alfama judaica,
que aproveitava essa vantagem geográfica para levar a cabo um próspero
intercâmbio comercial entre os dois reinos. Dez anos antes, tivera como
almoxarife Salomão de Ávila, que também arrendara as sisas gerais dos tecidos e
dos vinhos por cinquenta mil reais anuais. Mas o seu apelido era muito
provavelmente originário da mesma vila na qual tinha nascido o então
contador-mor do príncipe das Astúrias, Diego Arias Dávila.
Segundo
Palencia, sendo príncipe Enrique, veio da cidade de Ávila para Segóvia um dos cristãos-novos,
e ademais de obscura linhagem, chamado Diego. Homem de ínfimas inclinações,
começou a ganhar o sustento vendendo pequenas mercadorias roubadas a outros; ia
pelos campos de Segóvia com um pouco de açafrão e cominho, e algo de pimenta
negra (...), atraindo com as suas canções árabes grupos de rústicos cujo trato
lhe era grato. É provável que a maior parte dos dados do palentino sobre o
contador de Enrique fossem inventados com fins difamatórios para atacar o seu
senhor, já que, na realidade, Diego Arias, nascido no início do século XV com o
nome judeu de Ysaque Abeatar ou Abenatar, o filho do especieiro segundo
uma interpretação do apelido, pertencia a uma conhecida família da comunidade de
Ávila. E, uma vez instalado em Segóvia, casara-se com uma convertida portuguesa
da linhagem dos cavaleiros de Zamora chamados Arias, de acordo com algumas
fontes, certamente aparentada com uma linhagem judaica de Segóvia à qual
pertencia, provavelmente, o então físico do príncipe Enrique». In Marsilio Cassotti, A Rainha
Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma
difamação anunciada, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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