sábado, 29 de setembro de 2018

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «Acresce a tudo isto o desempenho da administração da dupla governativa Filomeno Câmara / Morais Sarmento, respectivamente alto-comissário e inspector da Administração Pública naquela colónia»

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Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) Preparada por Joaquim Nunes Mexia (grande latifundiário alentejano e ministro da Agricultura de I8/4 a 7/7/1929) e lançada pelo então ministro da tutela, Henrique Linhares Lima (8/7/29 – 21/1/30), tinha como principais objectivos apoiar a actividade da grande agricultura alentejana e promover o aumento da produção até, às necessidades da procura, por substituição de importações, dignificando a indústria agrícola como a mais nobre e a mais importante de todas as indústrias e como primeiro factor de prosperidade económica da Nação. O aumento da área de trigo cultivada, o desenvolvimento da indústria química, pela difusão dos adubos industriais, e, a reboque, o notável crescimento da produção, concluem o êxito (inicial) da campanha. Perto do final do ano, quando a Nação adquiriu já a plena consciência do seu estado e manifesta a vontade firme de seguir os caminhos do seu destino, Salazar, na ausência do Presidente do Ministério (em visita oficial a Espanha), consagra o princípio Nada contra a Nação, tudo pela Nação e, em nome da realidade nacional, apela ao desconhecimento das facções, dos partidos, dos grupos, quando os sectores oposicionistas da sociedade se limitam a contestar o fraco empenho demonstrado pela Ditadura nas comemorações do 5 de Outubro de 1910. Lopes Fonseca, mentor da manifestação dos municípios, tinha chegado à pasta da Justiça e dos Cultos por intermédio de Salazar e, tal como este, via em Ivens Ferraz o principal adversário na luta pelo poder no interior da Ditadura (a realização desta manifestação mereceu o comentário de Ivens Ferraz nas suas Memórias; durante a minha ausência passava-se em Portugal um incidente a que não posso deixar de me referir (...), porque, propositadamente, se procurou o afastamento do Chefe do Governo para tirar todos os efeitos políticos que daquele incidente poderiam resultar). Acusado de buscar uma aproximação aos partidos quando o momento exige um governo forte para que a Ditadura leve o barco a bom porto (designadamente, consolidar o equilíbrio do orçamento, realizar a reforma da moeda e completar a restauração financeira, lançar as bases decisivas da reconstrução económica da metrópole e das colónias (...) efectuar a reconstrução política e social do país, pelo regime municipal e corporativo (...) e pela preparação de condições que permitam e garantam a independência e harmonia dos poderes do Estado), Ivens Ferraz chega a apresentar a demissão. Mas será a polémica travada entre Salazar e Cunha Leal, o verdadeiro móbil da queda do seu ministério quando, a propósito das críticas tecidas por este à política financeira delineada para as colónias, o ministro das Finanças exige que o problema seja levado a Conselho de Ministros. Mais uma vez Carmona apoia-lo-á deixando cair o ministério de Ivens Ferraz.
Com o afastamento da presidência do Governo de Vicente Freitas, primeiro, e de Ivens Ferraz agora o republicanismo conservador perde o combate que a corrente salazarista vinha movendo no interior da Ditadura desde finais de 1928 e inaugura, com a constituição do Ministério presidido por Domingos Oliveira logo em 21 de Janeiro de 1930, uma ordem nova, quer do ponto de vista político-institucional quer do ponto de vista económico e social. Em conformidade com esta nova ordem, Salazar, interino das Colónias desde aquela data, demite Cunha Leal do cargo de governador do Banco de Angola e faz aprovar a sua estratégia nesta área de reforço do programa de obras públicas, apoio financeiro limitado, reforma do sistema bancário do império, e promulgação do Acto Colonial, a qual, pelo seu carácter nacionalista e civilizador, reduz o impacte das acusações de que Salazar não se importa com o Império.
Em Outubro de 1929, o crash da bolsa de Nova Iorque potenciara o aprofundamento da crise económica que se vinha avolumando desde o imediato pós-guerra na generalidade dos países do mundo. Em Portugal, embora refreados por factores de ordem estrutural e conjuntural, os seus efeitos vão fazer-se sentir com particular acuidade entre os sectores exportadores metropolitanos e coloniais. Na verdade, a quebra brutal das cotações mundiais dos principais produtos coloniais é a responsável pela redução das fontes de receitas dos circuitos de exportação e comercialização e, no Imperio (sobretudo em Angola), pela crescente tensão que a dependência da economia angolana relativamente à metropolitana cria nos sectores mais visados pela Grande Depressão, visivelmente afectados pela quase paralisação das transferências financeiras. Acresce a tudo isto o desempenho da administração da dupla governativa Filomeno Câmara / Morais Sarmento, respectivamente alto-comissário e inspector da Administração Pública naquela colónia: administrativa e financeiramente atrabiliária e descontrolada responde, em grande medida, pelos acontecimentos revoltosos que de 20 de Março a l0 de Abril se sucedem em Angola, cujo comando recai no Chefe do Estado Maior das Forças Armadas da colónia, coronel Genipro Cunha Eça Almeida. O tenente Morais Sarmento é morto no primeiro dia, Filomeno Câmara é exonerado em 10 de Abril quando, na metrópole, o governo de Domingos Oliveira, na pessoa do ministro interino das Colónias, Oliveira Salazar, (...) é obrigado a ceder às pressões da colónia (...)» In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT