O papel da Escola na instrução do povo
«(…) Ler, mas ler mal, era a missão da escola, Do dizer de António Costa
(1870:22). A Instrução do Povo foi o objectivo das nações e do nacionalismo, sobretudo
a partir de finais de setecentos, embora as suas raízes remontem à invenção da
imprensa, que tornou possível o proselitismo protestante e católico do século
XVI e seguintes. Em Portugal, uma questão que parecia pertinente era a de saber
se o povo devia ler. O debate iria prolongar-se até à segunda metade do século
XIX. Para uns não havia qualquer dúvida sobre a necessidade e urgência de todo
o povo receber uma instrução elementar e, portanto, aprender a ler e escrever;
já para outros, o filho do camponês e do pastor deviam continuar o ofício do
pai. Uns defendiam a instrução popular, em todos os estratos e sem
discriminação de sexo, enquanto outros insistiam numa via elitista, defendendo
um ensino para a nobreza e burguesia, considerando que nas aldeias não devia
haver escolas e não se referindo praticamente a um ensino no feminino.
António Costa defendia uma instrução nacional para todas as classes
sociais. Num artigo escrito para o periódico A Folha, Frederico Laranjo
confirma-nos essa ideologia:
A instrucção nacional de que D. António Costa nos falla é a instrução
primaria, a instrucção que se pode e se deve derramar por todas as classes, a
luz que é precisa para todos os espíritos, como a do sol para todos os corpos
(Laranjo, 1870: 93).
As leituras das gentes do povo são ainda reveladoras de um sentido: saber
ler é útil para a vida. Os livros dirigidos ao povo deviam ser escritos em
português e num estilo simples e acessível. Mas livros deste género não
abundavam, seja porque a conjuntura política estava conturbada, seja porque as
instituições vocacionadas para a difusão das luzes pareciam alhear-se do
problema que era o nosso atraso cultural, neste domínio da instrução popular.
Podemos dizer que o conjunto de textos para instrução económica obedecia a um
objectivo bem preciso. Para o povo, as elites intelectuais e políticas pensavam
e ofereciam produtos de baixa qualidade e custo: manuais em estilo catequético
e o ensino mútuo. Porque as elites continuavam o velho preconceito voltairiano:
o povo era estúpido, portanto, não era dado a abstracções, nem a grandes
leituras. Preconceito que, partindo da afirmação da superioridade intelectual
dos homens bem instruídos, levava a procurar doutrinar o povo, mais do que a
aprender com o povo, ou a olhar para os grupos populares como dotados de um saber
e cultura genuínas.
A escola necessitava de constituir-se como algo novo, que desse resposta
à necessidade de uma formação integral do Homem nas suas componentes física,
intelectual e moral, uma vez que o Homem deve ser visto como um ente
physico, intellectual e moral. Para o homem das classes populares, a Escola
assume um papel muito importante. Segundo António Costa, a Educação permite a
um Povo salvaguardar a sua independência: a educação nacional, como elemento poderoso da boa administração e da
preponderância do nosso direito, é uma salvaguarda da nossa independência,
ainda superior ao poder das armas. Segundo este Ministro da Instrução,
caberia à família a educação; no entanto defende que isto apenas seria possível
em relação às classes elevadas e mesmo estas delegavam nos colégios a educação
dos seus filhos. Isto porque, segundo António Costa, nas classes populares, as
crianças eram um capital aos olhos do pai pescador, do pai agricultor. Então se
a família não conseguia educar (porque também ela não fora educada!), caberia à
escola essa importante missão. Como nos dizia Costa:
Ora n’um paiz de quatro milhões de habitantes que ha treze anos não tinha
senão 53 escolas para o sexo feminino, e que ainda hoje não possue senão 348,
dizer que a educação nacional pertence á família equivale a affirmar que a
educação seria mentira.
Ainda segundo o autor, a escola portuguesa não tinha organizado a educação
física e moral e era também por demais evidente um atraso na educação das
classes populares». In Filomena M. F. Sousa Bruno, As Bibliotecas de Castelo de Vide e a
Educação Popular (1863-1899), CM de Castelo de Vide, Edições Colibri, 2011,
ISBN 978-989-689-139-8.
Cortesia Colibri/JDACT