quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A Verdadeira História. Margaret George. «A cama estava coberta por uma seda reluzente. Ah!, disse Maria, por fim, olhando tudo à volta, maravilhada. E é aqui que mora? É aqui que dorme? É, disse Quezia, desde que me lembre»

jdact

A Mulher que Amou Jesus
«(…) A casa de Quezia era bem no final da rua. Ficava empoleirada e os degraus que lhe davam acesso faziam um ângulo. A porta de entrada tinha enfeites de bronze. Antes mesmo que Maria batesse, a porta abriu-se e apareceu Quezia, com um sorriso triunfante. Você chegou!, disse, puxando Maria para dentro e abraçando-a. É, mas foi difícil. Tentou nem pensar no castigo que receberia de seus pais se estes soubessem que ela tinha saído da exposição de tecelagem. Mas agora estava ali, onde queria estar. Foi entrando na casa e descobriu um enorme pátio interno, meio escuro. Era surpreendentemente fresco, num dia quente de verão como aquele. Ficaram olhando uma para a outra, por algum tempo. Aquela amizade que haviam criado de maneira tão repentina, e tão intensa, parecia agora produto da imaginação. Bem, disse Quezia. Estou contente com a sua visita. Agora venha conhecer a minha casa. Pegando Maria pela mão, levou-a para o outro lado do pátio, onde ficavam vários quartos. Eram muitos, talvez o dobro, ou o triplo, dos quartos que havia na casa de Maria. Tem um quarto só para si? Claro, e também há um segundo andar, com mais quartos lá em cima. A sua voz era agradável e amiga, falava brincando, como se todo o mundo vivesse dessa maneira. Maria tentava não olhar fixamente. Mas os quartos, escuros, pareciam um sonho. Uma escuridão estranha, pois só tinham três paredes: a quarta era aberta e dava para um jardim ensolarado. Foi então, quando os seus olhos se acostumaram à escuridão, que ela percebeu que as paredes eram pintadas de um vermelho de sangue, escuro, e num dos quartos as paredes eram pretas. Era daí que vinha a escuridão. Mas Quezia continuava puxando por ela. Saíram da parte formal da casa e passaram para onde a família morava. Aí, Maria foi introduzida num quarto com paredes amarelas e um tecto baixo, com cadeirinhas e uma mesa pequena, preparada com xícaras e pratinhos em miniatura. O chão era fresco, de pedra polida, e num canto do quarto estava uma cama estreita, com pés esculpidos, pintada de preto e com degraus dourados. A cama estava coberta por uma seda reluzente. Ah!, disse Maria, por fim, olhando tudo à volta, maravilhada. E é aqui que mora? É aqui que dorme? É, disse Quezia, desde que me lembre. E as duas riram, pois sabiam que sete ou oito anos não eram assim tanto tempo para lembrar. Maria não se conseguia imaginar morando num lugar daqueles. Ia passar o tempo todo só olhando para tudo isso, pensou. Examinou as xícaras e pratinhos em miniatura, e os jarrinhos e tigelinhas. Você come aqui?, perguntou. Quezia riu. Não, isso é de brinquedo. Tenho um apetite muito grande para esses pratinhos de miniatura!... Será que ela tinha bonecas? Mas as bonecas eram proibidas, é claro que não ia ter bonecas. Essas coisas aí são para mim e para os meus amiguinhos imaginários, disse Quezia. E agora que está aqui, para uma amiga de verdade. Podemos fingir que fazemos uma festa! Uma festa com comida imaginária que não deixa manchas e os pratos, depois, não têm de ser lavados! Eu nunca tive um cantinho para fazer banquetes de brincadeira, disse Maria.
Seria muito divertido! De repente, sumiu a timidez entre elas. Elas eram muito parecidas, destinadas a serem amigas. Acho que agora é hora de comer de verdade. E eu queria que você conhecesse a minha mãe e o meu pai. E, claro, meu irmãozinho, Onri.
Onri. Maria nunca ouvira falar de alguém chamado Onri. Tinha uma vaga lembrança do nome, algum rei meio malvado, com esse nome. Mas, por outro lado, também nunca conhecera alguém chamada Quezia. Essa família, evidentemente, não era propensa a chamar os filhos com nomes comuns, como Maria, Jesus ou Samuel. Quezia levou Maria a outra parte da casa, também junto ao jardim: uma sala clara, com as paredes pintadas de um verde escuro e, na parte de cima, árvores e flores. No centro da sala havia uma mesa de mármore, com almofadas junto ao encosto de pedra. Não se sentia o calor do meio-dia, mas a sala era bem iluminada pela luz do sol. Mãe, pai, essa é minha amiga Maria, disse Quezia, orgulhosa, apresentando-a como se fosse um presente de luxo. Lembram-se, não é, que eu lhes contei sobre como nos encontramos na peregrinação a Jerusalém. Ah, claro. Uma mulher alta, numa roupa de cetim escarlate, abaixou-se junto a Maria, olhando-a com solenidade, como se estivesse sendo apresentada a alguém muito importante, a uma pessoa adulta, e não a uma criança. Estou tão contente que você e Quezia se tenham tornado amigas, murmurou». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT