sexta-feira, 28 de setembro de 2018

As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial. Gisela Medina Guevara. «Aproveitando o sentimento antibritânico tão vivo em Portugal depois do Ultimatum, a Alemanha lançava a sua ofensiva de penetração dos seus produtos no mercado português»

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O interesse alemão no Atlântico português
«(…) Bülow demonstrava uma certa preocupação que o Governo alemão fosse criticado quanto à sua política inglesa, depois das negociações em torno das ilhas de Samoa (na primavera de 1899 surgiu um desentendimento entre a Alemanha e a Grã-Bretanha em torno das ilhas Samoa que afectou muito as relações diplomáticas entre as duas potências) e no contexto de simpatia que os Boers suscitavam na opinião pública alemã, durante o conflito sul-africano. Interessante parece ser o facto de que, paralelamente à questão da divisão das colónias portuguesas, decorriam as negociações anglo-alemãs sobre Marrocos. Precisamente a 20 de Janeiro de 1901, o Kaiser alemão, de viagem a Londres por motivo da enfermidade da sua avó, a rainha Vitória (que morre a 21 de Janeiro), referia, num telegrama a Bülow, que Chamberlain, por intermédio do barão de Eckardstein, teria demonstrado grande interesse num entendimento sobre Marrocos. Já referimos atrás que, com grande probabilidade, a questão marroquina e a de Portugal fariam parte do mesmo projecto alemão, fracassado, em parte, pela contra-acção de Salisbury aos esforços de Chamberlain de entender-se com a Alemanha. Chamberlain via num acordo anglo-alemão sobre Marrocos, o primeiro passo para uma futura aliança com a Alemanha. A política externa inglesa revelava aliás, nesta época, uma grande ambiguidade, ao querer conciliar a aliança com Portugal e o Acordo secreto Anglo-Alemão sobre as Colónias Portuguesas. Mas a hegemonia naval britânica era preocupação prioritária do Governo inglês, sendo assim impossível um acordo com uma nação, como a Alemanha, que visava pôr em jogo essa hegemonia.
Neste período histórico, dominava na Europa a ideia de que o poder naval fazia parte integral da ideia imperial. Tirpitz, o responsável pela grande política naval alemã, referia já em 1894:

A marinha nunca me pareceu um fim em si mesmo mas sempre função dos seus interesses marítimos. Sem poder naval, a posição da Alemanha no mundo é semelhante à de um molusco sem concha.

Em relação com o poder naval estava a ideia de que os interesses económicos, nomeadamente o comércio, só poderiam ser bem defendidos com o desenvolvimento naval. Os dirigentes políticos alemães defendiam a ideia de que a Alemanha só poderia competir comercialmente com a Inglaterra se houvesse uma frota naval forte. Sem esta, a Alemanha não poderia dar o suficiente apoio às carreiras marítimas comerciais. A rivalidade comercial alemã começou a ser temida desde cedo na Grã Bretanha. Já em 1896, o famoso livro de Edwin Williams, Made in Germany, salientava a concorrência alemã. Muitos eram já os que, nos meios industriais ingleses, eram a favor de um retorno à protecção aduaneira. Tanto mais que os mais sérios adversários dos britânicos eram países proteccionistas como os E.U.A, a França e a Alemanha. O próprio Joseph Chamberlain defendia a preferência imperial, em que os países membros do Império britânico concederiam uns aos outros vantagens comerciais em forma de reduções das tarifas alfandegárias. Por outro lado, em 1897, o Governo inglês tinha denunciado o antigo tratado comercial de 1865 com a então Zollverein. Segundo este tratado, as exportações alemãs para as colónias inglesas não pagavam tarifas mais altas do que as inglesas para as suas colónias. A denúncia deste tratado tinha a ver com a nova política chamberliana da preferência imperial. Tal estimulou ainda mais a rivalidade comercial anglo-alemã. Em 1897, num artigo do Saturday review afirmava-se:

(...) na Europa há duas grandes forças irreconciliáveis, duas grandes nações que fariam do mundo, no seu todo, uma sua província e que imporiam nesta o tributo do comércio. A Inglaterra (...) e a Alemanha (...) competem em cada canto do globo.

Do lado alemão, havia também uma reacção a esta rivalidade, nomeadamente da Sociedade Colonial Germânica e da Liga Pangermânica. Esta rivalidade comercial que se juntava à rivalidade naval e colonial, e com elas estava relacionada, fazia-se sentir também em Portugal. Aproveitando o sentimento antibritânico tão vivo em Portugal depois do Ultimatum, a Alemanha lançava a sua ofensiva de penetração dos seus produtos no mercado português». In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.

Cortesia Colibri/JDACT