As
Lágrimas do Papa
A Fundação Meyer.
O escritório
«(…) Folheando
a obra com delicadeza e voltando para perto de Mosèle, Hertz murmurou: O Segredo!
Preferia que ficasse fora dessa fábula, meu amigo! Não brinque com as palavras.
Sabe muito bem que não é uma fábula. Hertz sentou-se novamente. A cadeira
estalou ainda mais forte. Uma lenda continua a ser uma lenda enquanto a sua
realidade não for comprovada. Acabou de me contar a versão de uma aventura que
eu consideraria um folhetim popular se não o conhecesse a si. No entanto, diversos
pontos da sua história são corroborados por esta pequena obra. Tome, pegue-a.
Sei que é especialista o suficiente para saber do que se trata. Vire as páginas
com cuidado: não é tão nova assim! O melhor meio que encontrei para escondê-la
foi colocá-la em evidência entre os outros livros. Mosèle recebeu surpreso o
livro sem nenhum título. Abriu-o e ficou alguns segundos decifrando a frase
escrita entre as magníficas iluminuras da primeira página. Não é possível! Não,
este livro não existe mais..., foi queimado por Filipe, o Belo! Lenda, Didier!
Diz a lenda que ele foi destruído! Na verdade, a fábula corrente afirma que
Filipe, o Belo, depois do processo iníquo contra Jacques de Molay, ordenou ao
carrasco que jogasse este livro nas chamas da fogueira na qual iria morrer o
último grão-mestre dos Templários.
Mosèle virou a
primeira página e mergulhou na leitura, decifrando imediatamente o texto em
latim. Como...? Foi somente o que indagou Mosèle. Como ele chegou até mim, ou
como não foi devorado pelas chamas, conforme queria o rei Filipe? Isso mesmo,
como e por que este evangeliário de Nicolau e Agnano de Pádua, porque é dele
mesmo que se trata, não é?, ainda existe até hoje? Tenho nas mãos um objecto
maldito, a peça-chave de uma doutrina herética, In furorem versus, comumente chamada de Testamento do Louco!
Realmente, é assim que denominam esta obra. Admiro os seus conhecimentos,
Didier. Poucas pessoas podem citar o Testamento do Louco redigido pelo monge
Nicolau de Pádua e ilustrado pelo irmão Agnano. Irmão? Está zombando de mim,
Martin. Está a simular uma raposa, mais astuta do que sorrateira. O quê?, fez
Martin, pegando o charuto apagado e segurando-o entre os dentes. Mosèle
continuou: na verdade, Agnano era amante dele. Os dois homens dissimularam o seu
amor por trás da fachada de fraternidade. Parabéns!, exclamou Hertz. Espanta-me!
No entanto, eu já deveria esperar pelas suas respostas. É um historiador
renomado, e tudo o que se refere, de perto ou de longe, aos manuscritos dessa
época não o deixa indiferente. Tenho de reconhecer que o meu orgulho foi
golpeado. Desculpe...
Nunca mais se
desculpe na minha presença! Não seja tão modesto e apagado. Do que me contou
esta noite, a teoria que estruturou com Marlane, as suas descobertas saem das
sombras da lenda. Você tem tanta consciência disso quanto eu. Lembre-se da
frase de Aristóteles: para ser aceitável como conhecimento científico, uma
verdade deve ser induzida por outras verdades. Este evangeliário, como você
o chama, é uma das verdades que podem permitir que reconstrua a realidade do
passado. Quanto à locução latina In
furorem versus que deu o título a esta obra, nós a
encontramos na Vulgata de são Jerónimo que se inspirou num versículo de
Marcos: E, quando os seus familiares
souberam disto, foram lá para levá-lo embora, pois diziam: Ele está fora de si. Um versículo que fala de Jesus. Tudo que
vivemos seria falso? Nós, os herdeiros do judaísmo e do cristianismo, seríamos
os actores de uma quimera? Dá-me razão a respeito desse princípio? Nunca disse
nada disso, precisou Hertz, mastigando o charuto apagado. Eu limito-me a
ajudá-lo, como veio pedir. Acontece que pude adquirir este manuscrito. Qual foi
o golpe de mágica que o fez pôr as mãos nessa maravilha? Achava que só restasse
um único exemplar, no Vaticano. De facto, a biblioteca pontifícia conserva uma
cópia idêntica, especificou Hertz. Semelhante em todos os pontos. Executada por
Nicolau e Agnano de Pádua. Sempre houve dois Testamentos do Louco!
Depois explicarei como me tornei proprietário desta jóia... Que seja! Então,
vou aguardar. É um homem de mistérios e enigmas, Martin. Francis Marlane citou
este manuscrito. Um tal de Pontiglione falou-lhe a respeito, num encontro de
franco-maçons em Veneza. O professor Ernesto Pontiglione? Eu conheço-o pouco.
Troquei algumas cartas com ele. Sabia que procurava uma cópia do Testamento do
Louco para um trabalho que o Vaticano lhe confiara. Deu-lhe a cópia?» In Didier Convard,
O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN
978-852-861-550-0.
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