A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Vamos deixar bilhetes na
árvore lá perto do lago? Ah, não dá, você não sabe escrever. Nesse momento,
Maria decidiu, de uma vez por todas, que iria aprender a ler e escrever fosse
como fosse. Eu deixo um lenço vermelho se puder vir, e um preto se não puder, disse.
Por onde andou? Maria percebeu o
vulto da sua mãe aproximando-se quando entrava no pátio, que agora parecia
pequeno. No caminho para casa, Maria tinha montado uma história: após a exposição
de tecelagem, tinha ido procurar lã colorida no mercado central, para ver se
existiria alguma do tipo daquelas que o tecelão mostrara. Não pensara demorar
tanto. E foi o que disse. Mas a sua mãe olhou para ela. Fui lá no final da exposição
e não a vi, disse. Saí um pouco antes de terminar porque queria chegar
ao mercado antes da multidão. Zebida concordou, acenando com a cabeça. É isso
mesmo que deve fazer, disse a mãe. Quando se junta muita gente no mesmo vendedor,
ele percebe que vai vender e pode aumentar os preços. E então, claro, você não
pode comprar. Porque ele aumentou o preço. Mas e se o preço, mesmo com o aumento,
for razoável?, perguntou Maria. Estava tão aliviada por ter conseguido,
aparentemente, esconder a sua excursão secreta, que aceitava alegremente uma
discussão sobre vendedores e os seus preços. Ainda assim, esse tipo de
comportamento não deve ser recompensado, disse a sua mãe. Mas o que é que há de
errado?, perguntou Maria. Se o vendedor vê que muita gente quer comprar
dele, o que é que há de errado em subir o preço? Assim como, se ele vê que
ninguém quer as suas mercadorias, baixa os preços. Já vi a senhora comprar a
preços desses, bem baixos. Se uma coisa é errada, porque a outra não é? Você
não entende, disse sua mãe. Mas Maria sabia que entendia, e muito bem.
Mãe, disse ela, o tecelão vai dar aulas para aprendizes duas
vezes por semana...
O Verão passou-se agradavelmente,
com dias longos e quentes, e noites frescas. O truque de Maria, das aulas do
tecelão, ia funcionando bem e duas vezes por semana ela corria para a casa de
Quezia, na colina, indo directamente das aulas de tecelagem para as de leitura.
Os pais de Quezia ficaram tão contentes por ela ter uma companheira de estudo
que nem quiseram saber de pagamento. E ela aprendia com avidez; estava sedenta por
saber ler direito, para que um novo mundo se abrisse à sua frente.
Foi na véspera do Rosh Hashana, do
ano novo de 3.768, quando ela estava deitada, acordada com a excitação da
festa, que ela ouviu Maria!, bem baixinho, como se alguém sussurrasse o seu
nome do outro lado do quarto. Embora a voz fosse agradável, assustou-a.
Sentou-se e olhou para o escuro. Será que estava sonhando? Não havia ninguém
ali. Deve ter sido um sonho, pensou. Eu estava dormindo e não sabia. Mas agora
estava bem acordada. E definitivamente acordada quando ouviu a voz de novo: Maria.
Susteve a respiração. Não se ouvia coisa alguma no quarto: nem a respiração,
nem ruído algum. Maria. Agora o som parecia vir de bem perto. Sim?, respondeu,
em voz baixa. Mas não houve resposta. E ela não ousou levantar-se. Com a
claridade da manhã, ela olhou em volta do quarto, mas não viu nada. Será que
tinha sido só um sonho? Ficou pensando naquilo a maior parte da manhã e, de
repente, perguntou-se se seria isso que acontecera com o profeta Samuel, quando
era menino. Quando morava com o sacerdote Eli, ele também ouvira uma voz,
durante a noite, chamando o seu nome, e pensara que tinha sido Eli. Mas, no
final, fora Deus, e Samuel foi ensinado a responder: Fale, seu servo vos escuta.
Se eu ouvir aquela voz de novo, é isso que irei responder, prometeu Maria a si
mesma. Não podia deixar de sentir um toque de alegria por ter sido escolhida para alguma
coisa.
Foi naquela noite, quando já era
bem tarde e a escuridão era total, quando Maria não escutava coisa alguma e
estava profundamente adormecida, cansada de não ter dormido bem na noite
anterior. Maria, Maria, disse uma voz suave, de mulher. Lutando contra o sono,
Maria deu a resposta que tinha decorado: Fale, sua serva vos escuta.
Um sussurro. E depois, bem
baixinho: Maria, se descuidou de mim. Não correspondeu ao que mereço. Maria
sentou-se, com o coração batendo. O Senhor, o Senhor estava falando com ela!
Como poderia ela responder? Mas o Senhor não sabia tudo, não conhecia as suas
fraquezas e assuas faltas? Eu..., disse ela, lutando para falar, eu
fui descuidada? O Dia do Perdão estava próximo; iria Deus lembrar a ela uma
grande omissão de consciência? Você me escondeu e não olha mais para mim. Essa
não é a maneira de me tratar. O que significaria aquilo? Deus não podia ser
escondido, nem visto. Não estou compreendendo. Claro que não, pois é uma menina
tola. Você foi esperta o bastante para reconhecer uma coisa de valor, e
suficientemente esperta para protegê-la, mas depois, você foi ignorante.
A voz parecia brincar com ela e
ser alegre, ao mesmo tempo. Não parecia a voz de Deus, pelo menos da forma que
contavam que falara com Moisés. Então, me ensine, Senhor, disse Maria,
com humildade. Muito bem, disse a voz. Amanhã irá olhar para mim novamente,
e eu lhe direi o que fazer. Agora, durma, sua tolinha. A voz calou-se e desapareceu.
Dormir? Como, dormir? Com tristeza, Maria deitou-se de novo na cama. Deus iria
puni-la, mas, por quê? Devia sentir-se honrada por Deus ter falado com ela, mas
ele fora tão reprovador... Foi esperta o bastante para reconhecer uma coisa de
valor, e suficientemente esperta para protegê-la... Amanhã irá olhar para mim novamente...
Proteger... Olhar... Era impossível». In Margaret George, A Paixão de Maria
Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
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