quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A Duquesa de Bragança. Poema em Oito Cantos. José Carlos Gouvêa. «Um tão grande explendor e régio brilho das mais sublimes pompas ostentaram, de tão ricos thesouros, como nunca eguaes se tinham visto em Lusitânia!»

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Canto Primeiro
O Regresso do Duque
«(…)
VIII
Um sigillo amoroso, puro, ingénuo,
Abriga o joven duque : em terra estranha
O coração deixara. Á pátria sua
Trazia da saudade o acerbo espinho.
Do feliz vencedor da bella Alhambra
Á corte já o liga um terno laço;
Lá fora, que entre os eccos das victorias,
D’aquella corte austera entre os cilícios,
Ante o pérfido horror de Torquemada,
Solemne juramento proferira
D’amôr o mais leal, eterno e puro:
Lá em lettras de fogo um sim ficara,
Ligações e promessas mil incógnitas;
O mais firme penhor d’um cavalleiro,
D’um prócere a palavra, o juramento.

IX
De luzido cortejo acompanhado
Á corte portugueza se approxima
E como sobre o ar vêem juntar-se
As nuvens conglobadas, alterosas,
De rutilante brilho e côr variada.
De pura franja orladas d’ouro fino,
No descahir do sol ao turvo pelago;
Como sobre a montanha de granito,
No dorso de gigante, se approximam
Ante o astro do dia coruscantes
De gelo outras montanhas, (jue se juntam
Com o immenso fragor de mil bombardas,
Aos alcantis, aos mattos sobrepondo
Uma enorme crusta, que rebrilha,
E que ao longe reflecte e nos deslumbra;
Assim ao reunir-se o duque e o princípe
Da illustre fidalguia rodeados,
Dos guerreiros heroes das luctas d’África,
Ao povo deslumbrado, á lusa gente.
Um tão grande explendor e régio brilho
Das mais sublimes pompas ostentaram,
De tão ricos thesouros, como nunca
Eguaes se tinham visto em Lusitânia!

X
Mas serena a expansão do immenso jubilo,
As regias saudações, o grão monarcha
Perante a egrégia còrle assim dizia:
Emfim ó nohre duque á excelsa pátria
Restituido sois: encontrar vinde
Com o meu o amor da lusa prole,
A benção da nobreza, e d’este povo
A muda sympathia, o doce affecto,
Que a vossa desventura despertara.
Queiraes vós esquecer tanta amargura,
Do exilio o duro pão, acerbas magoas.
Possaes aqui gosar na lusa terra
O magico esplendor do heroismo.
Da gloria, que circumda a monarchia.
Que seja pois o teu regresso ó duque
O elo, que findar venha a discórdia,
Que ao rei unindo o povo e os fidalgos,
A concórdia transmitta a longos evos;
Oh! Vinde pois; talvez que o sceptro fulgido
A casa de Bragança um dia empunhe
E á c’ròa portugueza novo brilho
Vossos filhos darão ... O rei não ponde
Commovido findar; com doce extremo
Com jubilo infinito ergueu nos braços
O joven, que a seus pés enternecido
Se curvara vertendo doces lagrimas».
In José Carlos Gouvêa, A Duquesa de Bragança. Poema em Oito Cantos, Tipographia e Stereotypia Moderna, Lisboa, 1898.

Cortesia de Stereotypia Moderna/JDACT