Lições
de matrimónio imperial
«(…) O discreto encontro de
Afonso e Enrique em Monsaraz não podia ter acontecido em momento mais oportuno,
se o que se queria era que passasse despercebido, uma vez que o rei e a rainha
de Castela se encontravam envolvidos num dos projectos mais ambiciosos e
perigosos de que se podia ocupar um casal real naquela época: a tentativa de se
desfazerem para sempre do valido ao qual tanto um como o outro deviam em parte
o que eram.
Um dia depois de Afonso V de
Portugal ter enviado a carta a Pimentel, quarta-feira de Cinzas, o rei Juan II
de Castela falou com o outrora poderosíssimo Álvaro Luna. O homem que o rei
seguira, segundo a pena de Palencia, enquanto lhe durou a beleza da juventude, compreendeu
de imediato que o monarca estava a preparar a sua queda.
Enquanto em Burgos ocorriam estes
acontecimentos, impensáveis até havia pouco tempo, Álvaro começara a governar
trinta e dois anos antes e nem sequer os audazes infantes de Aragão tinham
conseguido contrariá-lo, algo ainda mais excepcional estava a acontecer nos preliminares
das negociações matrimoniais: um judeu fora incumbido por Enrique de tratar com
a parte portuguesa o casamento com Joana, nomeando-o procurador e embaixador do
príncipe. Este é o único caso conhecido numa monarquia católica em que se escolheu
um membro dessa significativa minoria religiosa para negociar um matrimónio real.
De qualquer modo, tratava-se de
uma misteriosa personagem cuja identidade exacta motiva discrepâncias entre os
historiadores. Em parte porque, a respeito do seu possível nome completo, se
apresenta um dos maiores problemas com que se deparam os investigadores que
trabalham com as fontes daquela época, a heterogenia na ortografia dos nomes e
a falta de cristalização de um sistema de apelidos coerente, sobretudo no caso
da transformação de um sistema onomástico-
Segundo
a documentação proveniente da antiga sinagoga de Segóvia, depositada na
catedral dessa cidade, da qual Enrique era senhor, é muito provável que o judeu
a quem os textos oficiais denominam simplesmente de Rabjuçe, (rabi José)
fosse um médico pertencente à linhagem dos Galhon, certamente aparentados com a
mulher de Diego Arias, alguns de cujos membros se refugiariam em Portugal depois
da expulsão dos judeus de 1492». In Marsilio Cassotti, A Rainha Adúltera, Joana de
Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, A
Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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