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Literatura e Nacionalismo em Angola
«(…) Face ao combate conduzido pelas autoridades portuguesas que, pelo primeiro
quarto deste século, acabava a pacificação militar da colónia, jornalistas e
homens de letras angolanos opunham uma resistência ao obscurantismo e à
violência, por uma verdadeira campanha de imprensa. Os jornalistas que se
ergueram contra as arbitrariedades da administração colonial, a qual procedia à
expropriação sistemática das terras e dos bens das massas ditas indígenas,
são os precursores da literatura nacionalista em Angola. A polémica e o ensaio
eram os únicos géneros praticados pelas gerações do começo do século. Entre as
figuras mais notórias devem evocar-se os nomes de Tadeu Bastos, Silvério
Ferreira, Paixão Franco ou o cónego Pereira Nascimento. As novas gerações do
pós-guerra vão, pois, alimentar-se destes exemplos. No decurso da sua procura
de afirmação de um nacionalismo cultural, elas procedem à revalorização das
obras destes precursores e reclamam-se da sua mensagem.
Aqui, a maturação da consciência nacional depende, Por um lado, da identificação
com as figuras históricas da resistência e, por outro, da captação do real
africano. Na busca de uma via autêntica para a criação literária, os jovens
intelectuais lançam-se a estudar o desenvolvimento da cultura africana no Novo Mundo
e em particular no Brasil. Vejo três razões para isso:
Em primeiro lugar, o laço histórico que une Angola ao Brasil através do
importante tráfico de escravos capturados nas costas angolanas; depois, e como
consequência deste laço histórico, a existência de um cultural pattern,
devedor da contribuição desta parte de África; finalmente, esta larga abertura
ao mundo que o Brasil permitia devido à livre expressão das ideias neste país.
Trata-se aí de um verdadeiro movimento de retorno da cultura
brasileira a uma destas origens africanas. Um estudo aprofundado sobre o
aspecto formal do conto e da poesia da jovem geração angolana revelaria o lugar
importante ocupado pelo Brasil. Portanto, entre 1925 e o pós-guerra poucas
obras são de lançar ao crédito da literatura angolana, salvo um romance de
costumes Segredo da Morta, de António Assis Jr., publicado em Luanda em
1935. É apenas em 1948 que os jovens intelectuais, repensando, à medida das novas
circunstâncias, o exemplo das gerações precedentes, fundam em Luanda um
movimento cultural que adopta como palavra de ordem um apelo nacionalista Vamos
descobrir Angola. Deste esforço de pensamento vão nascer o conto e a poesia
angolanos. À volta de Viriato Cruz, que empreende um verdadeiro inquérito à
vida das populações indígenas e sabe reproduzir de forma feliz a linguagem
popular na sua poesia, outras vocações literárias manifestam-se. A poesia de
Viriato Cruz inaugura a corrente nacionalista moderna, moldada por vezes, numa
forma regional.
No momento em que ele aparece na cena literária, dois poetas de transição,
Bessa Victor e Maurício Gomes, encontravam-se prisioneiros das velhas formas da
poesia portuguesa e distanciados das aspirações populares, enquanto Óscar Ribas
prosseguia o seu trabalho de fixação dos aspectos nitidamente folclóricos da
vida angolana pelo romance e pelo conto e Castro Soromenho desmistificava já,
nas suas obras, o comportamento pseudo-humanista do colonizador português em
Angola.
Mas os jovens intelectuais organizam-se e inscrevem-se alvoroçadamente
nas associações regionalistas que levavam, e levam ainda, uma actividade de
carácter reformista. Logo de entrada, escolhem as tarefas mais directamente
ligadas à elevação do nível das massas populares, como a campanha contra o
analfabetismo. Pelo ardor nacionalista que põem nas suas actividades constituem
um perigo para a administração colonial. Vários deles vêem-se expulsos dessas associações,
não sem terem criado antes revistas culturais, como Mensagem, que data
de 1951, assim como o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola. Depois
foi a febre dos clubes literários. Poetas negros e brancos nascidos na colónia
exaltam o nascimento de uma nova consciência ligada à terra, procuram um
equilíbrio da linguagem, enriquecem a língua de dominação, dão à expressão do
canto popular uma feição nova e introduzem, enfim, na sua mensagem um conteúdo
social. Desenvolve-se uma literatura de emancipação nacional e social». In
Mário Pinto Andrade, Um Intelectual na Política, coordenação de Inocêncio Mata,
Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-188-5.
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