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Canto Primeiro
O Regresso do Duque
«(…)
XVII
Memorias desses dias tão
funestos,
P’ra bem longe correi do
Tejo aurifero;
Deixai na lusa historia refulgindo
So feitos immortaes e
arrojo intrépido.
N’ão queiraes offuscar o
novo brilho
Do sceptro, off’reci a gloria, á crença;
De vós espero, o duque, que
ao passado,
Ás paginas de luto o véu
do olvido,
Pra sempre heis-de
lançar; de vos o espero:
Não sou aqui monarcha a lei
impondo,
Apenas sou da terra, que
me é cara,
Como vos um bom filho;
eia, portanto
Em nome da nação, do
berço q’rido,
Que os nossos avós,
tanto illustraram,
Finalisem intuitos rancorosos.
Reunidos, busquemos novo
lustre
Á terra dos heroes, á Lusitânia.
XVIII
Ó excelso monarcha; o
foragido
Não volta a contemplar o
ceu da infância
Para o vir envolver em grossas
nuvens;
Ai! Não volta a pisar a
lusa terra
Para ver a discórdia erguer-se
esquálida
Agora, que feliz na pátria
q’rida,
Onde apenas soltou ténues
vagidos
Da vida no primeiro alvor
tão puro,
Os sorrisos recebe da saudade;
Não vinha o desterrado abrir,
qual réprobo,
No materno regaço de vis
luctas
Profunda cicatriz, immenso
báratro;
Também o esquecimento elle
procura,
Não dos tempos, que só recordam
lastimas,
Que p’ra sempre fugiram.
Da saudade
Os espinhos soffrer sósinho anhela…
XIX
Da saudade…, previsto havia um traço,
De mysterios inscripto em
vosso rosto,
Que buscáveis no ceu já percebera
Adorada visão, ou sonho q’rido.
Do vosso peito vi que se
escapavam
Suspiros, dos que solta amor
occulto…
Esconder-vos não posso
da minha alma
O arcano estremecido…
O amor ai, triste
No peito, que soffria, prematuro
Despontou em botão, floriu,
gigante.
Na corte de Castella perseguido,
Pelos reaes edictos fulminado;
Da terna mãe nos braços carinhosos
Meu berço vi erguido, á terra
alheia
Implorando um albergue, um
pobre azylo,
Vegetei e cresci; os meus
três lustros
Já completos corriam; só
pensava
Na minha amarga sorte; algumas
vezes
A sós com meu irmão pela
espessura,
Dos homens esquecidos, divagando.
No idioma paterno, conversávamos:
Da pátria já não tinha
outra memoria,
Que tudo ao pé de nós nos
era estranho,
Que tudo nos lembrava a dôr, o exilio!
XX
Foi então, que a meus olhos
deslumbrados
Uma luz inda incerta vi fulgindo…
Cresceu depois nas trevas
da minha alma,
Estrella, que sorria de luz
pródiga,
Ella foi da bonança a mensageira,
O facho do porvir e da ventura.
Ignotos sentimentos despertaram;
Robusto, indefinido, audaz
anhelo
Crescer logo senti; as vãs
chimeras
Da infância desfazer-se vi
de chofre;
Aos sonhos tão queridos d’essa
edade
Atravez das vigilias succederam
Vaporosas visões, risos angélicos,
Que uma terna imagem pura,
languida,
A meus ávidos olhos
apresenta.
N’este magico enlevo,
extasiado,
A miragem do amor desconhecia!
Depois quando a seus pés
a vez primeira
Proferi um sagrado
juramento,
Quando a ebúrnea mão n’um
terno osculo
Aos lábios desvairado uni
sequioso.
Que em seus olhos d’amor
embriagados
A mais languida estrophe
li extático.
Ao amor vi então que me curvara.
Seus tyrannos decretos recebendo!
Os thesouros, que encerra
o peito humano,
Patentes logo então á flax me foram.
Era o primeiro amor d’um
peito virgem,
Era o cântico eterno, que
a ternura
Vinha em flores trocar de grato aroma».
In José Carlos Gouvêa, A Duquesa
de Bragança. Poema em Oito Cantos, Tipographia e Stereotypia Moderna, Lisboa,
1898.
Cortesia de Stereotypia
Moderna/JDACT