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A história faz-se (ou da prática actual dos profissionais de história).
Depois de Abril de 1974
(…) Uma quarta conquista, e não das menores, sem a qual todas as outras
resultam ameaçadas, está na gestão democrática das escolas. Alcançada com o
movimento popular de Abril, esta gestão foi depois regulamentada, parlamentarizada,
doutorada, isto é, cerceada por decreto. Com a criação do conselho científico
aberto somente a uma minoria de docentes, os velhos professores readquiriram
uma parte dos seus antigos e doces poderes. Por outro lado, dividiram-se assim
os docentes em duas categorias: os científicos e os não-científicos, fomentando
a desunião e a corrida ao poder. Não se contesta a legitimidade de um conselho
científico que lidere a defesa da qualidade (não da pureza ideológica da investigação
e do ensino. O que se contesta é que aí não estejam representados todos os
grupos de docentes e que as suas reuniões não estejam abertas a representantes
eleitos dos discentes, ao menos como observadores.
Apesar de tudo, com a eleição anual do conselho directivo das
faculdades, com a eleição do conselho pedagógico e dos miniparlamentos,
designados como assembleia de representantes, bem como o funcionamento das
assembleias gerais de Escola e de Departamento, a gestão democrática prossegue
e terá de alargar-se e defender-se se pretendermos conservar as conquistas
alcançadas e reforçar uma autonomia científica e organizativa que não se isole
da vida, antes assuma as responsabilidades que lhe cabem perante o nosso Povo. Estas
conquistas não agradam a muitos. Falam de abusos reais mas o que lhes dói são
as aberturas, o novo, os avanços. E tudo fazem de cima para fechar outra vez em
cerrados limites o horizonte recém-aberto.
Vivemos então no melhor dos mundos possíveis? Certamente que não. Mas
antes de entrar na análise de deficiências gerais de ordem científica, quero
lembrar que, ainda agora, nesta crise provocada por uma reestruturação imposta,
com a História Universal em massa e cortada em fatias como salame e a porta de
fazer História quase fechada, os estudantes (ou alguns se quiserem), através de
uma actuação inteligente e crítica, apresentaram contrapropostas válidas que permitiam
salvaguardar os aspectos positivos alcançados nos últimos anos.
Todos sabem que os trabalhos de grupo permitiram (hoje menos) que
alguns perus ostentassem penas de pavão. Que se subestimaram os trabalhos
individuais. Que escaparam ao controlo alguns incompetentes e impreparados,
embora tais factos se devam, em boa parte, à afluência brutal de alunos, bem
como à entrada na Universidade de muitos sem a preparação necessária. No campo
científico, designadamente nos trabalhos de informação activa, continua-se
muitas vezes a coleccionar, recolher opiniões de autores e a fazer delas o
substituto do real histórico. Não se trata de esgotar pela análise o conteúdo
da obra do historiador tal ou tal, de o situar nas suas coordenadas sociais, de
pesar a consciência da sua ferramenta, tarefas sempre necessárias. Critica-se
aqui é o estendal de opiniões; critica-se principalmente o facto de pretender
apresentar esse amálgama como autêntico conhecimento do passado. Por outro lado,
é necessário dizê-lo, muitas teses de belos e grandes historiadores fazem hoje
parte do entulho da História, e são necessários fundamentação, talento e também
coragem para o remover ou para o afrontar na plena luz». In António Borges Coelho,
Questionar a História, Ensaios sobre História de Portugal, colecção
Universitária, Editorial Caminho, Lisboa, 1983.
Cortesia de
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