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«(…) Ben Fremont, continuou
Kellog, considere-se preso por infracção do 2º parágrafo do artigo 311 do
Código Penal da Califórnia. O Código declara que toda a pessoa que se encarrega
intencionalmente de distribuir qualquer matéria obscena comete uma
contravenção. De acordo com a alínea a) do parágrafo 2º, obscenidade significa
que, para a pessoa média, aplicados os critérios da comunidade contemporânea, o
principal atractivo da obra em questão, tomada em conjunto, é o interesse
libidinoso. O que equivale a dizer que a obra ultrapassa os limites costumeiros
de franqueza e é totalmente destituída de importância social compensatória. O
Promotor Público acredita que o livro Os Sete Minutos de JJ Jadway seria
considerado obsceno se fosse levado aos tribunais, e por conseguinte o senhor
está preso por vender tal livro. Ben Fremont, boquiaberto, lívido, agarrou-se à
beira do balcão, procurando encontrar palavras. Espere aí, ora esta, não podem
prender-me. Sou apenas um sujeito que vende livros. Existem milhares iguais a
mim. Não podem... Mr. Fremont, continuou Kellog, considere-se preso, sem
discussão. Para seu próprio bem, não crie complicações. Entregue-nos todas as
facturas que a Sanford House lhe enviou pelos exemplares comprados deste livro.
Precisamos de confiscar cada volume de Os Sete Minutos nas dependências da
livraria e torná-los sob nossa custódia. Temos também de tirar aquele anúncio
da vitrina, bem como qualquer outro material de publicidade referente à obra. E
eu? Pensei que o senhor se lembrasse da maneira de proceder. Não faz mal. Estamos
com o carro da Polícia lá fora. Terá de nos acompanhar para ser identificado na
Esquadra de West Temple Street. Na Esquadra da Polícia? A propósito de quê...,
a propósito, que diabo, não sou nenhum criminoso! Kellog ficou subitamente
impaciente. Por vender uma obra obscena. O senhor mesmo não disse há dez ou quinze
minutos...
Iverson
adiantou-se à pressa, segurando Kellog pelo ombro. Um momento, Otto. Deixe-me
explicar ao cavalheiro os direitos que lhe assistem, dirigiu-se ao livreiro.
Mr. Fremont, tudo o que o senhor disse antes de ser preso e tudo o que o senhor
está dizendo agora está a ser registado por um rádio transmissor de que é
portador o sargento Kellog e ligado a um gravador de fita magnética que se acha
lá fora, no carro da Polícia. O senhor não precisava de ser notificado das suas
prerrogativas antes da voz de prisão. Agora, que já se acha preso, cumpro o meu
dever de adverti-lo de que não precisa de responder a nenhuma pergunta, que tem
direito a permanecer calado, que tem direito à presença de um representante
legal. Portanto, agora já sabe. Se quiser fazer alguma pergunta ou responder, é
problema exclusivamente seu. Não direi mais palavra a nenhum dos dois! Que mer…!,
esbravejou Fremont. Não direi nada antes de consultar o meu advogado! Pode
telefonar-lhe, avisou Kellog, controlado. Pode chamar o seu advogado e pedir
que vá procurá-lo na sede da esquadra. A fúria de Fremont desapareceu como por
encanto, restando apenas medo. Eu..., eu não tenho advogado. Quero dizer, nem
sequer conheço um. Tenho só contabilista. Não passo de um... Bom, o tribunal
pode nomear... ,começou Kellog. Não, não, esperem, interrompeu Fremont. Agora
me lembrei. O representante da editora, o distribuidor local da Sanford House,
quando me vendeu os livros disse..., disse que se houvesse qualquer encrenca,
era para o chamar no mesmo instante, porque eles iam defender o livro, e o
filho de Sanford, o editor, intercederia, conseguindo representante legal para
qualquer livreiro. Vou ligar para o distribuidor. Posso? Pode ligar para quem
quiser, respondeu Kellog. Mas ande depressa. Fremont estendeu a mão para o
telefone. Mas antes de discar o número, olhou fixamente para os dois agentes.
Parecia que uma nova ideia lhe passara pela cabeça e reflectia sobre a
conveniência de revelá-la. Resolveu falar. Escutem cá, disse, com voz trémula,
será que vocês sabem o que estão a fazer? Pensam que não é nada, não é? Que
estão só a prender um pobre livreiro anónimo e que a coisa vai ficar por isso
mesmo. Pois talvez se enganem. Sabem o que estão realmente a fazer? Prendendo
um escritor já falecido e o livro dele..., prendendo um livro. Algo que um
homem tinha que dizer. Estão a prender e a tomar as impressões digitais de uma liberdade,
uma das nossas liberdades democráticas, e se julgam que não é nada, então
esperem para ver o que vai acontecer...» In Irving Walace, Os sete Minutos, 1969,
Livros do Brasil, colecção Dois Mundos, 1988, ISBN 978-972-380-948-0.
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