segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Os Sete Minutos. Irving Walace. «O senhor não precisava de ser notificado das suas prerrogativas antes da voz de prisão. Agora, que já se acha preso, cumpro o meu dever de adverti-lo de que não precisa de responder a nenhuma pergunta…»

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«(…) Ben Fremont, continuou Kellog, considere-se preso por infracção do 2º parágrafo do artigo 311 do Código Penal da Califórnia. O Código declara que toda a pessoa que se encarrega intencionalmente de distribuir qualquer matéria obscena comete uma contravenção. De acordo com a alínea a) do parágrafo 2º, obscenidade significa que, para a pessoa média, aplicados os critérios da comunidade contemporânea, o principal atractivo da obra em questão, tomada em conjunto, é o interesse libidinoso. O que equivale a dizer que a obra ultrapassa os limites costumeiros de franqueza e é totalmente destituída de importância social compensatória. O Promotor Público acredita que o livro Os Sete Minutos de JJ Jadway seria considerado obsceno se fosse levado aos tribunais, e por conseguinte o senhor está preso por vender tal livro. Ben Fremont, boquiaberto, lívido, agarrou-se à beira do balcão, procurando encontrar palavras. Espere aí, ora esta, não podem prender-me. Sou apenas um sujeito que vende livros. Existem milhares iguais a mim. Não podem... Mr. Fremont, continuou Kellog, considere-se preso, sem discussão. Para seu próprio bem, não crie complicações. Entregue-nos todas as facturas que a Sanford House lhe enviou pelos exemplares comprados deste livro. Precisamos de confiscar cada volume de Os Sete Minutos nas dependências da livraria e torná-los sob nossa custódia. Temos também de tirar aquele anúncio da vitrina, bem como qualquer outro material de publicidade referente à obra. E eu? Pensei que o senhor se lembrasse da maneira de proceder. Não faz mal. Estamos com o carro da Polícia lá fora. Terá de nos acompanhar para ser identificado na Esquadra de West Temple Street. Na Esquadra da Polícia? A propósito de quê..., a propósito, que diabo, não sou nenhum criminoso! Kellog ficou subitamente impaciente. Por vender uma obra obscena. O senhor mesmo não disse há dez ou quinze minutos...
Iverson adiantou-se à pressa, segurando Kellog pelo ombro. Um momento, Otto. Deixe-me explicar ao cavalheiro os direitos que lhe assistem, dirigiu-se ao livreiro. Mr. Fremont, tudo o que o senhor disse antes de ser preso e tudo o que o senhor está dizendo agora está a ser registado por um rádio transmissor de que é portador o sargento Kellog e ligado a um gravador de fita magnética que se acha lá fora, no carro da Polícia. O senhor não precisava de ser notificado das suas prerrogativas antes da voz de prisão. Agora, que já se acha preso, cumpro o meu dever de adverti-lo de que não precisa de responder a nenhuma pergunta, que tem direito a permanecer calado, que tem direito à presença de um representante legal. Portanto, agora já sabe. Se quiser fazer alguma pergunta ou responder, é problema exclusivamente seu. Não direi mais palavra a nenhum dos dois! Que mer…!, esbravejou Fremont. Não direi nada antes de consultar o meu advogado! Pode telefonar-lhe, avisou Kellog, controlado. Pode chamar o seu advogado e pedir que vá procurá-lo na sede da esquadra. A fúria de Fremont desapareceu como por encanto, restando apenas medo. Eu..., eu não tenho advogado. Quero dizer, nem sequer conheço um. Tenho só contabilista. Não passo de um... Bom, o tribunal pode nomear... ,começou Kellog. Não, não, esperem, interrompeu Fremont. Agora me lembrei. O representante da editora, o distribuidor local da Sanford House, quando me vendeu os livros disse..., disse que se houvesse qualquer encrenca, era para o chamar no mesmo instante, porque eles iam defender o livro, e o filho de Sanford, o editor, intercederia, conseguindo representante legal para qualquer livreiro. Vou ligar para o distribuidor. Posso? Pode ligar para quem quiser, respondeu Kellog. Mas ande depressa. Fremont estendeu a mão para o telefone. Mas antes de discar o número, olhou fixamente para os dois agentes. Parecia que uma nova ideia lhe passara pela cabeça e reflectia sobre a conveniência de revelá-la. Resolveu falar. Escutem cá, disse, com voz trémula, será que vocês sabem o que estão a fazer? Pensam que não é nada, não é? Que estão só a prender um pobre livreiro anónimo e que a coisa vai ficar por isso mesmo. Pois talvez se enganem. Sabem o que estão realmente a fazer? Prendendo um escritor já falecido e o livro dele..., prendendo um livro. Algo que um homem tinha que dizer. Estão a prender e a tomar as impressões digitais de uma liberdade, uma das nossas liberdades democráticas, e se julgam que não é nada, então esperem para ver o que vai acontecer...» In Irving Walace, Os sete Minutos, 1969, Livros do Brasil, colecção Dois Mundos, 1988, ISBN 978-972-380-948-0.

Cortesia de LBrasil/JDACT