sexta-feira, 31 de agosto de 2018

No 31. O Papa Negro. Ernesto Mezzabota. «Como os grandes comediantes, Diana tinha expressão de teatro e uma expressão verdadeira, e esta era a mais repugnante e odiosa que se podia imaginar!»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(….) Henrique pareceu-lhe ver tremer uma lágrima nos olhos da condessa, tão cruelmente e indirectamente ofendida, e louco, alucinado, caiu-lhe aos pés. Oh! Perdoai-me, Diana!..., exclamou ele extremamente agitado, perdoai-me, porque o meu amor é tamanho que decerto me perturba a razão! Mas ao ver-vos tão bela e encantadora, parece-me impossível que haja alguém que se não apaixone por vós, e que não empregue todos os meios para que vós aceiteis o seu amor… Não me desprezeis, Diana, porque senão, à fé de Valois!..., cometo uma loucura!... E o mancebo, em cujo cérebro se debatiam as mais delicadas fantasias cavalheirescas com os grosseiros costumes das caçadas e dos quartéis, prostrou-se de novo aos pés da condessa. Esta, como que absorvida num pensamento mais relevante, não reparava no mancebo, e deixava que este lhe apertasse a mão com apaixonado ardor. E contudo, murmurou a condessa, ao cabo de um breve silêncio, e contudo, seria todo o meu sonho ser a inspiradora de um jovem, valente, poderoso…, guiá-lo no caminho da glória…, fazer dele um grande príncipe, um herói…
Oh! Diana, exclamou Henrique, correspondei ao meu amor, e fareis de mim o que quiserdes..., e eu considerar-vos-ei como a salvadora da casa de França. Silêncio! Erguei-vos!, respondeu a condessa, que viu que era tempo de pôr termo àquela cena. Vem aí algum dos meus criados. Com efeito, naquele momento batiam à porta do salão e uma aia, tendo pedido licença, entrou e inclinou-se, dizendo à condessa: senhora, o reverendo padre Lefèvre chegou agora para a conferência espiritual do costume. Que o reverendo padre tenha a bondade de passar ao oratório… Monsenhor, perdoai-me se vos deixo; vou falar com o senhor de todos os tronos, vou confessar-me a um ministro de Deus. Sois uma santa!, exclamou o príncipe, depondo na bela mão da gentil dama um beijo apaixonado. A condessa deu-lhe em troca um sorriso cheio de amor e de tristeza; depois, tendo acompanhado o príncipe até à porta, como competia à hierarquia do seu real adorador, dirigiu-se para o oratório, onde a esperava o reverendo padre Lefèvre. Se Henrique a tivesse visto naquele momento, é provável que a sua paixão se convertesse em horror. A fisionomia daquela mulher brilhava de uma alegria tão malévola, nos seus lábios pairava um ar de desprezo tão profundo, que a beleza ideal da inconsolável viúva desaparecia, dando-lhe ao rosto uma expressão sinistra em que se reflectiam as mais tristes paixões. Como os grandes comediantes, Diana tinha expressão de teatro e uma expressão verdadeira, e esta era a mais repugnante e odiosa que se podia imaginar!
                   
O reverendo padre Lefèvre
Ao passar da sala onde recebera o príncipe para o oratório onde a esperava o jesuíta, Diana lançara sobre os ombros uma capa, que cobria todas as cândidas belezas, cuja vista acendera tamanho fogo de desejos no coração do príncipe Henrique. A sereia bem compreendia que os meios de influir sobre um mancebo inexperiente e inflamável deviam ser diferentes dos que precisava empregar para ser bem-vista por um sombrio e austero frade. Por isso, quando entrou no oratório, Diana levava um vestido muito simples, e apresentou-se de fronte serena, com o olhar franco e tranquilo de quem não tem nada que se lhe lance em rosto. O padre Lefèvre pouco tinha mudado desde aquele dia em que o vimos entre os cavaleiros templários tomar o partido de Inácio de Loiola, e inscrever-se com os outros cinco companheiros na nova instituição, proclamada por Inácio sob o nome de Companhia de Jesus. Era sempre o mesmo tipo de montanhês, de elevada estatura, de porte austero, magro, de feições e formas angulosas. Conservava-se ordinariamente de olhos baixos, mas era fácil perceber, quando erguia o olhar, que a humildade monástica não tinha apagado neles o lampejo de orgulho». In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.

Cortesia de Wikipedia/JDACT