sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Nuno Crato. O “Eduquês” em Discurso Directo: «Os modelos escolares dominantes de "cultura", de “saber", de “sucesso”, de "bom aluno”, o modelo dominante de escola, afinal, criam dificuldades e constituem obstáculo ao sucesso dos alunos que pertencem a meios de cultura não letrada»

Cortesia de gradiva

Cultura e conhecimento face a cultura popular fragmentada.
«A escola para todos, associada a uma «escola inclusiva» é uma das palavras de ordem da ideologia dominante. Alguém poderá discordar? Vejamos melhor o que se tem escrito:
  • «Têm então grande influência na Sociologia da Educação as teorias Marxistas e Neo-Marxistas [...1. A Escola [...] passa a ser considerada como um instrumento ao serviço das classes dominantes [...]. O insucesso escolar é agora interpretado como processo e consequência de fenómenos de estratificação social e económica [...]. A pesquisa vai-se entretanto enriquecendo com outra vertente de análise [...] com o conceito de «violência simbólica» de Bourdieu e Passeron chama-se a atenção para quanto o funcionamento da escola é responsável pelo insucesso de grupos sociais que não partilham os saberes, normas, valores privilegiados pela cultura de classe dominante e que são os únicos aceites pelos mecanismos pedagógicos da instituição. E analisa-se como os grupos dominantes têm assim o poder de impor na Sociedade os seus valores por meio, não só dos conteúdos seleccionados na escola como importantes, mas também das metodologias usadas, por meio da relação estabelecida e do sucesso/insucesso que daí resulta. [...] Enfatiza-se que não hâ culturas superiores e inferiores [...] deverá prever-se a auscultação desses grupos sobre os seus saberes, os seus interesses e os seus valores [...]. Estas preocupações fazem com que os desenhos de projectos educativos desta época já não possam ser rígidos [... a] resistência à inovação [...] será agora interpretada como resultado da leitura que fazem da realidade os diferentes actores sociais [...] iniciativas tomadas à Periferia do Sistema não deverão ser interpretadas pelo Centro como fenómenos de resistência à inovação e procurar-se-á analisar e até por vezes valorizar o seu significado».

Cortesia de semresde

Aparecem aqui várias ideias centrais: o insucesso é directamente atribuído à estratificação social; a escola, ao transmitir o saber e a cultura, não está a chamar todos a partilhar essa cultura, mas a prolongar a opressão; não há culturas inferiores (nem mesmo a da classe dominante?); a escola deveria valorizar (?) os saberes populares. A mesma tónica, de forma aparentemente menos politizada, tem sido sustentada por responsáveis máximos do sistema educativo:
  • «Os modelos escolares dominantes de "cultura", de “saber", de “sucesso”, de "bom aluno”, o modelo dominante de escola, afinal, criam dificuldades e constituem obstáculo ao sucesso dos alunos que pertencem a meios de cultura não letrada».
E ainda:
  • «Ultrapassar esta situação supõe abandonar o conceito formal de "igualdade de oportunidades" reconhecendo que a "indiferença às diferenças”, que esse conceito implicitamente contém, é produtora de insucesso, é necessário reconhecer que a heterogeneidade social presente na Escola exige a diversificação das práticas escolares e pedagógicas».

Cortesia de correntes

Daqui ressaltam duas ideias importantes. Primeiramente, como a escola é estranha aos meios de cultura não letrada, a culpa do insucesso dos filhos desses meios é atribuída precisamente a esse afastamento. Consequentemente, em vez de procurar levar os jovens de meios não letrados ao conhecimento e à cultura (dos meios letrados, claro), propõe-se que a escola tenha práticas diferenciadas (prolongando o afastamento dos filhos da cultura não letrada?). A ideia é repetida à exaustão, com maior ou menor radicalismo:
  • «A abertura à comunidade [...] sendo que não é possível fazer uma educação ambiental no meio rural com temas de um universo desconhecido, assim como, no meio urbano ou à beira mar, será absurdo fazer educação ambiental com temas de uma outra realidade».
In Nuno Crato, O “Eduquês” em Discurso Directo, Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista, Gradiva 2006, ISBN 978-989-616-094-4.

(Continua)
Cortesia de Gradiva/JDACT