Cortesia de auladeliteraturaportuguesa
Soneto
Falando com o Mondego estando saudoso
Como é, Mondego, igual ao nascimento
O meu choro ao que a ti te desempenha;
Pois se o teu pranto nasce duma penha,
De um penhasco se causa o meu lamento.
Tu do mal, que padeço, estás isento,
Porque abrandas chorado a tosca brenha,
Mas Fillis mais que serra me desdenha,
Quando as ruas correntes acrescento.
Se pois a serra dura tanto zela
O teu chorar, que o áspero desterra,
E o meu pranto endurece a Fillis bela;
Por teres mais alivio, ou menos guerra
Chora tu, pois na serra tens estrela,
Eu não, que sem estrela amo uma serra.
Temas caros ao barroco, como a “fragilidade da vida humana”, comparecem igualmente na obra do poeta madeirense. Lembremos o poema «Esse baixel nas Praias derrotado», talvez o mais conhecido por figurar em diversas antologias.
Soneto
À fragilidade da vida humana
Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.
Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio em vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave em doce agrado.
Se a nau, o sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,
Olha, cego imortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.
Trata-se de um dos exemplos mais perfeitos da “reinvenção” barroca, quer pelo seu virtuosismo verbal, pela sua construção simbólica, uma vez que «a nau, o sol, a rosa, a Primavera» correspondem aos quatro elementos «a água, o fogo, a terra, o ar»; quer pelo espírito da Contra--Reforma aqui bem patente». In Cidália Dinis, Fundação Calouste Gulbenkian, Notas e Comentários, Colóquio Letras, 178, ISBN 010-1451.
Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT