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O hospital real das Caldas de Lafões
«Diz Sylva que, depois da morte do 4.º Duque, D. João II não nomeou outro, ficando o senhorio devoluto à coroa e a Câmara do Concelho do Banho administrava as Caldas. Não é correcta a afirmação. Se a Câmara administrou as Caldas, foi transitoriamente, pois, à morte de D. Diogo, seu irmão D. Manuel recebeu o senhorio de Viseu e, na carta de D. João II, vem explicitamente assinalada a doação de Lafões a «dom manuel meu muyto prezado e amado primo duque de Beja». Onze anos depois, a morte prematura do Príncipe Perfeito fez do Duque de Beja o Rei D. Manuel I, que passou o senhorio das Caldas de Lafões para seu filho, o Infante D. Luís.
De particular interesse se revestiu a presença de D. Manuel em terras de Lafões, porque dela resultaram importantes benefícios para as Caldas. Não está provado que ele tenha vindo fazer uso das águas, embora se diga que veio tratar dos seus males herpéticos. Pires da Sylva diz apenas:
- «…consta que o Senhor D. Manoel esteve em estes banhos; mas ainda da tradição de alguass pessoas velhas, que dizem viera, e se fechára com parede a porta por onde elle entrára. (...) Estando o Senhor Rey D. Manoel na Vílla de Vouzella, que dista da do Banho hum só quarto de legoa (...) bem se póde crer que vio estas Caldas de Alafoens, pois a maravilha da agua he grande, e a pressa d'ElRey não era muita».
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Tivesse ou não feito uso das águas, certo é que o Rei Venturoso soube compreender o seu grande valor e as necessidades da região e dotou a Vila do Banho com o Hospital Real das Caldas de Lafões, com património próprio para o seu sustento. A este respeito, escreve Pires da Sylva:
- «... veyo o Senhor Rey D. Manoel, & vendo a falta que havia de hum Hospital, para nelle se recolherem, & curarem os pobres, mandou que se fizessem alguns aposentos, e forão os da varanda do patio, sobre cuja porta estão suas armas, & para que se reparassem estes banhos, dotou o Hospital com hum Reguengo, a que chama Seleiro, segundo o foral, que o dito Senhor mandou passar, e está na mão do Escrivão da Camara do Couto, & Villa do Banho, que pelos nossos tempos hum ano por outro vem a render quarenta mil reis, com os quaes se tem feito todas as mais casas, que se achão junlo ao banho, e os reparos, a, que chega tão limitada renda, e fora muito mais limitada, se o Senhor Rey D. Manoel não vira com seus olhos a necessidade do reparo de tão proveitosos banhos».
O foral, concedido por D. Manuel em 24 de Julho de 1575, regista os «casaaes Reguemgueiros que ha no dito Reguemgo das Caldas». São esses casais, ainda que alguns com nomes diferentes, como é natural pelo tempo decorrido, que vamos encontrar, mais tarde, no Tombo que D. João V mandou organizar e que transcrevemos de Baptista de Sousa:
- “Patrimonio do Hospital do Banho, dado por El-Rei D. Manuel, como consta do Tombo, a que El-Rei D. João V mandou proceder em 1731, e se acabou em 1740”.
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Funcionava o Hospital nas casas do conjunto termal, que, vindo do tempo dos romanos, foi sofrendo alterações ao longo da Idade Média e D. Manuel mandava agora ampliar, com a construção de alguns aposentos. A sua criação representa uma profunda mudança na estrutura e modo de funcionamento das Caldas, a começar pelo uso das águas, que até então fora livre e passou a estar sob o controlo do Hospital. D. Manuel, recebido na Casa da Cavalaria, em Vouzela, concedeu a administração do Couto e Villa do Banho e a Provedoria do Hospital ao senhor da Casa, Fernão Lopes d'Almeyda, cujo filho, Duarte d'Almeyda, era monteiro-mor do Infante D. Luís. A mercê foi concedida em 4 de Novembro de 1502, com o consentimento do Infante, que tinha o senhorio das Caldas.
«Ficava o provedor com a obrigação de ter na casa onde se tomam os banhos quatro camas para quatro leitos que estão na dita casa, os quais terão cada um o seu almadraque, seu cabeçal, dois lençóis, uma manta, uma cobertura de burel, para os pobres que às Caldas vierem. Ficou ainda obrigado a pôr lá na casa um homem por sua conta, encarregado de dar camas e de temperar a água para os que se quiserem banhar, e a quem o provedor dará pelo seu trabalho o salário que lhe parecer. Pelo mesmo documento, constituiu o rei o Couto do Banho, onde viviam vinte e quatro homens privilegiados, entrando neles alguns homiziados, se os lá houver, os quais todos gozarão do privilégio que D. Manuel havia dado às Caldas, e serão obrigados a ter cada um uma cama para agasalhar os que aos banhos forem, e por elas não levarão mais de dois reais por cada noite e cada pessoa que lá ficar. No caso de as pessoas que no lugar das Caldas vivam ao tempo não terem meios para suprir ao ordenado, então possa o provedor tirar esses homens e pôr outros no seu lugar nas requisitas condições. Ordena também que ponha lá, pão, vinho, palha e cevada para venderem aos que forem aos banhos pelo costume e estado da terra. Àqueles homens que o provedor tirar da terra, se porventura forem obrigados a algum reguengo do celeiro, os desobriga de todos os encargos, tanto a eles como a seus herdeiros, podendo ir dali para onde lhes aprouver. Aos homens que ficarem a viver na terra, manda o provedor lhes dê a cada um, um casal e mais não. Mais determina ao provedor que veja os tombos e escrituras, procure as terras que andam roubadas e lhes ponham marcos». In António Nazaré Oliveira, Termas de S. Pedro do Sul (Antigas Caldas de Lafões), 2002, Palimage Editores, ISBN 972.8575-38-6.
Cortesia de Palimage/JDACT