A fachada principal antes das obras
Cortesia de monumentos
«Há seis séculos, no ano de 1351, um rico-homem de grande fama no reino de Castela, D. Afonso Teles de Meneses, afrontado pelo novo rei D. Pedro, o Cruel, que mandara assassinar, em Toro, o mais moço dos seus filhos, acusando-o de manter demasiada privança com a rainha D. Maria, mãe do mesmo soberano, transferiu-se com toda a sua família para Portugal, onde D. Afonso IV lhe oferecera generoso asilo. O nosso rei admirava muito esse velho cavaleiro, que vira combater valorosamente, onze anos antes, na batalha do Salado, em vantajosa competência com os mais bravos guerreiros de Castela e Portugal. Assim, para que ele se fixasse no seu Reino como um dos principais vassalos, compensou com largas doações as perdas que, por confisco imediato, sofrera em Castela, e honrou-o ainda com a dignidade de mordomo-mor. Foi breve, porém, a vida do expatriado.
E possível que a lembrança daquele filho aleivosamente morto em Castela (Martim, pai de D. Leonor Teles) antecipasse o fim dos seus dias; pois em 1357, quando faleceu D. Afonso IV, já lhe havia sucedido, no seu cargo palatino e em quase todos os senhorios, outro filho, o primogénito, D. João Afonso Telo de Meneses.
Este último, que já então vivia em grande privança com o herdeiro do trono, D. Pedro, viu crescer ainda mais a sua fortuna, durante o novo reinado. Com efeito, o nosso rei “.Justiceiro”, não só o cumulou de altas mercês, mas ainda timbrou em acrescentá-las com actos de deferência e estima que nenhum dos seus servidores soube jamais merecer. Fernão Lopes detém-se a narrar, em um dos capítulos da sua Crónica, as demonstrações festivas ordenadas pelo rei, quando resolveu armar solenemente cavaleiro, e elevar a Conde de Barcelos, esse amigo que a todos preferia.
A mesma fachada depois das obras
Cortesia de monumentos
Assim, na noite em que D. João Afonso, fiel ao velho rito, velou suas armas no mosteiro de S. Domingos, ordenou D. Pedro que cinco mil homens, empunhando outras tantas tochas, se enfileirassem ao longo das ruas que mediavam entre o paço real e o mesmo mosteiro; depois, ele próprio e os mais qualificados fidalgos da sua corte percorreram demoradamente essa parte da cidade assim iluminada, folgando, dançando e «tomando sabor» (pormenoriza ainda o velho cronista), no que despenderam grande parte da noite». No dia seguinte, o da investidura, a festa continuou. Em várias tendas armadas no Rossio, perto do mosteiro, juntaram-se «grandes montes de pão cozido e assaz de tinas cheias de vinho», a par de fogueiras onde assavam, inteiras, em enormes espetos, as vacas que Sua Senhoria tinha oferecido também para poder fartar de pão, vinho e carne, em honra do novo Conde, toda a arraia-miúda da cidade.
Não se lê sem alguma estranheza a notícia destes factos singulares, mormente se nos lembrarmos de que D. João Afonso Telo já então era casado com D. Guiomar de Vilalobos, e que esta, filha do senhor de Ferreira de Aves, Lopo Fernandes Pacheco, tinha por irmão (de diferente mãe) a Diogo Lopes Pacheco, o mais inteligente, o mais arrogante e o mais afortunado dos brutos matadores de D. Inês de Castro. Todavia, o novo senhor do condado de Barcelos devia merecer deveras a confiança do monarca. Sinceramente, ou por cálculo, sempre se mostrara adverso às ideias ou ambições políticas de seu cunhado. A circunstância de ter concorrido para a legalização do casamento do rei com D. Inês de Castro testemunha a constância da sua dedicação de amigo ou a sua sagacidade de cortesão. Em 1367, quando D. Pedro morreu, continuou a manter o seu prestígio e a sua autoridade no ânimo do novo soberano.
A porta principal
Cortesia de monumentos
Este escolheu-o, entre todos os fidalgos da sua corte, para conduzir a Portugal a princesa D. Leonor de Aragão, que D. Fernando se obrigara a desposar (obrigação que não cumpriu, como se sabe); e ainda, depois de isso, o encarregou de orientar as negociações de paz que epilogaram o seu desastroso conflito armado com o rei D. Henrique II de Castela. Foi por esse tempo, segundo se diz, que D. Fernando, já firme no propósito de desposar D. Leonor Teles, sobrinha do prestante valido, resolveu substituir o condado de Barcelos, que lhe havia concedido D. Pedro I, pelo de Ourém, o mais rico de Portugal, naquele tempo.
Só em tão tardia época, depois de todos estes sucessos, tomou vulto, no ânimo do novo Conde de Ourém, a piedosa iniciativa de que nasceu, a par de uma importante instituição monástica, a Igreja da Graça de Santarém. Já muito encanecido, D. João Afonso Telo escutou finalmente, com maior atenção e melhor vontade, as rogativas de sua mulher, a condessa D. Guiomar de Vilalobos, para serem transformados em um mosteiro destinado aos eremitas de Santo Agostinho, certos casebres, hortejos e vagueiros que o casal possuía intramuros da cidade. Em tal ocasião, crendo talvez que havia chegado a hora de acertar as suas contas de consciência com a Suprema Divindade, decidiu deveras empreender essa obra, chamando para a delinear e dirigir um dos «mestres de pedraria» que já naquele tempo, como bons obreiros do progresso da Nação, estavam honrando a nossa Arquitectura sacra. Corriam então os derradeiros anos do reinado de D. Fernando. Foi em uma sexta-feira, 15 de Abril da era de 1418 (ano cristão de 1380), que D. João Afonso Telo e sua mulher, a devota Condessa de Ourém, lançaram a primeira pedra do edifício principal no chão urbano previamente terraplenado para tal fim. Começada com grande incremento, por vontade dos fundadores e desejo ou instâncias dos monges beneficiados, a obra foi todavia demorada. É lícito crer que D. João Afonso não assistiu à sua conclusão, visto que, três anos depois, em 1383, quando faleceu el-rei D. Fernando, já o condado de Ourém pertencia a outro valido célebre: aquele que, na nossa História, é vulgarmente designado com o nome de «Conde Andeiro». In Boletim da DGEMN, Monumentos, Igreja da Graça, Santarém, 1951 (65-66).
Cortesia de Monumentos/JDACT