Cortesia de foriente
Macau Histórico
Em jeito de Introdução
A glória e o martírio de Montalto de Jesus
Os portugueses vão assim e finalmente ter a oportunidade de ler na sua própria língua e de julgar uma «edição maldita» cujos exemplares, quando foi posta à venda em Macau, foram apreendidos e confiscados aos que já os possuíam para serem destruídos pelo fogo em auto-de-fé. O seu autor caiu em desgraça. Isto aconteceu em Macau nos idos de 1926, ano em que em Portugal, foi posto fim à I República, substituída pela Ditadura Militar. Era o «28 de Maio».
«Acalentava, ou alguém o fez acalentar, a pretensão de ser prestável, quer à sua terra-mãe Macau, quer também, agora e sobretudo, ao novo Portugal republicano ajudando a sua Pátria a libertar-se da decadência e do desprestígio para que se tinha deixado arrastar há mais de meio século.
- «A revolução (de 1910) visava salvar o país por meio de uma impreterível reforma, cujos efeitos eram tornar este povo o mais atrasado, o mais onerado e, ao mesmo tempo o mais explorado da Europa (...) Agouram muito mal asas facções monárquicas e clericais e essas clivagens de elementos vitais que, para o bem-estar nacional, terão de ser conciliados a todo o transe. (...) Ei-lo atrasado por séculos, onerado por esmagadoras responsabilidades e desnorteado perante uma situação complicadíssima, cuja solução exige mais heroísmo do que outrora tornou o povo tão glorioso e histórico».
A sua pretensão era a de servir como adido comercial na China e no Japão, e para tal cargo foi proposto com o apoio de amigos e correligionários, mas a velha, pesada e poderosa burocracia emperrava o andamento e bom despacho da sua nomeação.
Missionários, (1910)
Cortesia de foriente
Escreve Montalto a este propósito:
- “Sendo nós já o alvo de muito escárnio no estrangeiro, efectuam-se assim nomeações diplomáticas e consulares com espalhafatos que melindram e desprestigiam os funcionários bem como o Governo. (...) O Congresso Nacional perde quatro sessões acerca da mero nomeação do cônsul-geral no Rio de Janeiro e do ministro já enviado a Buenos Aires. (...) Com uma colónia bem precária na China, nem se cuidou de ter um ministro em Pequim durante a crise; e, afinal nomeado, o ministro é detido cá. Apesar de todas as mudanças no Extremo Oriente, ainda se nomeia um só ministro para Pequim e Tóquio. (...) Mal posso esquivar-me de dizer que, conhecendo melhor do que ninguém a nossa desgraçada situação no Extremo Oriente, debalde tentei salvar o nome português de mais desprestígio ultimamente. Não obstariam os regulamentos do Ministério dos Estrangeiros que se fizessem nomeações temporárias de pessoas idóneas, embora estranhas à carreira diplomática e consular, para o cabal desempenho das suas funções. Porém, pelos regulamentos, fui impedido de servir como adido comercial na China e no Japão, por ser isso uma atribuição de cônsul-geral, sendo-me só facultado concurso para as honras de amanuense ou funcionário consular de terceira classe. Assim, para ser útil num trabalho descurado e urgente, teria eu de esperar talvez tanto tempo como se levou para encetar o melhoramento do porto de Macau, após trinta anos de estudos, projectos e deliberações inacabados”.
Pouco se conhece dos seus passos a partir da publicação desta obra. Na biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa encontra-se um manuscrito escrito e assinado pelo seu próprio punho Carlos A. Montalto de Jesus, datado de Lisboa, 8 de Agosto de 1914, sobre George Chinnery, na sua opinião o maior artista europeu que viveu no Oriente fixando-se em Macau por muitos anos onde sempre genial, era a alma, o encanto da sociedade inglesa, e que ali morreu em 1852. Foi o grande pintor de Macau. Este estudo sobre Chinnery, a propósito da colecção de esboços à pena e aguarelas suas, muitas delas com temas macaístas, oferecidas à Sociedade de Geografia de Lisboa pelo sócio Lourenço Pereira Marques (que, lembre-se, foi um dos proponentes de Montalto) juntamente com outras peças de grande valor artístico, mantém-se, creio, inédito.
Porta do Cerco (1915)
Porta do Cerco (1979)
Cortesia de foriente
Em 6 de Dezembro faz, na Sociedade de Geografia de Lisboa, a sua última conferência, desta feita relacionada com a situação catastrófica do País: «A Salvação de Portugal», de que existe separata (Tipografia do Comércio, Lisboa, 1920). Entre muitas outras, faz as seguintes graves afirmações:
- “(...) A falência pouco dista duma completa derrocada nacional, que, tarde ou cedo, implicará a devida reconstrução mediante peritos económicos, políticos, sociológicos. Portanto faltando ao País essas almas salvadoras, procuremo-las, desde já, entre as repúblicas mais esclarecidos e dignas de confiança. (...) A História mostra-nos como o salvamento nacional sempre dependeu do auxílio externo. (...) Urge não menos difundir no País e nas colónias os novos ideais e métodos de civilização que devem ser infiltrados na mentalidade de povos que, infelizmente, no sua maioria, vegetam ainda cegados e atrasados pelas tacanhas noções de outrora”.
Vai ao ponto de sugerir o seguinte:
- “Sem as devidas previsões e salvaguardas, só restará recorrer-se, tarde ou cedo, a uma amigável tutela ou entente internacional de forma que consiga livrar o arruinado país de mais calamidades, e orientá-lo na nova senda do progresso mundial, e valorizar os imensos recursos descurados que devem servir para o ressurgimento nacional. Nesse sentido, felizmente pode-se agora contar com muita simpatia e boa vontade, entre as grandes potências, mercê do heróico gesto português e dos briosos sacrifícios feitos o todo o transe na vanguarda da civilização durante s Grande Guerra. É justo, pois, que todos os aliados nos auxiliem agora por sua vez. (...) Não resta sequer um dia a perder assim. Há momentos psicológicos em que a máxima franqueza é absolutamente indispensável para determinar o rumo a seguir, com pulso de ferro. Eis, pois, todas as verdades na sua nudez forte sem o mínima intenção de melindrar ninguém, e puramente suscitadas pelo empenho de que esta arrojada exposição de factos sirva para despertar os que, sonhando ou lamuriando, caminham inconscientemente à beira de um precipício insondável. Detê-los no cominho, exortá-los a tempo, é simplesmente tratar de os salvar do abismo. Por isso, não há motivo qualquer para ressentir-se do que fica aqui exposto sem rebuços, e para ser ajuizado com aquela serenidade de ânimo que é o primeiro penhor exigido pela salvação de Portugal”.
In Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT