Cortesia de europaamerica
O Cataio
Durante cerca de três séculos as províncias do Norte da China foram ocupadas por povos estrangeiros, primeiro que todos os “Kitans” (937-1125), pré-mongólicos ou tungus que vinham das regiões baixas do Sungari, no Sudoeste da Manchúria e Sueste da Mongólia. Foi no final da dinastia Tang que esses nómadas e guerreiros começaram a penetrar na China Setentrional, ocupando finalmente, em 947, a chave daquelas regiões, que depois se haviam de chamar Pequim. Organizaram-se, dominaram e foram conhecidos no Extremo Oriental como a “dinastia Liao”. Mas o que deles nos pode interessar, mais que as suas riquezas acumuladas em períodos de paz e as suas manadas de cavalos, foi o terem dado o nome que por largas décadas foi conhecido no Ocidente a China milenária, Khitai, Khata ou Cathay e que nós portugueses chamámos Cataio, ou Grão-Cataio. Assim o nome se foi espalhando pelos povos vizinhos e a todo o mundo oriental, ficando até nossos dias na língua ds alguns dos países que o compõem, para designar a China como um todo. À Europa chegou pela primeira vez na preciosa “Historia Mongolorum” e noutros escritos em que o franciscano João da Pian di Carpine dava conta ao papa da sua arriscada missão nas imensas terras dos Khans.
Os mongóis ameaçavam o Ocidente; e Inocêncio IV, poucos anos volvidos sobre a sua eleição, propunha-se ir de encontro ao perigo para tentar arredá-lo. Tinham-lhe chegado imprecisas notícias da existência de tribos cristãs entre eles. Era necessário dividi-las dos seus irmãos de sangue que professavam noutra crença. Mas para tal havia que encontrá-las.
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Foi escolhido como mensageiro do soberano pontífice o monge de S. Francisco, João da Pian di Carpine, que partia nos fins de 1244 acompanhado de frei Bento de Polónia, com credenciais para o “Supremo Khan” e instruções precisas de pregar a Fé de Cristo aos infiéis, de saber quais as suas intenções sobre a Europa e de procurar os cristãos do Oriente cuja existência se suspeitava.
Dessa longa e trabalhosa viagem, tão vazia de resultados, trazia Carpine uma mão-cheia de novidades à Roma papal e ao mundo cristão; e pela primeira vez havia referências ao distante Cataio na forma de “Kytai”. Mas era um nome vago dum reino entre outros muito apontados. O “Supremo Khan”, Kuyuk, grande e poderoso como os maiores do seu sangue, Kubilai, Genghis, Ogotay e Mangu, respondia ao pontífice tão altivo como mais tarde um outro imperador oriental ao representante do orgulhoso mundo inglês. Escrevia o mongol da sua tenda atapetada:
- «Deus ordenou aos meus antepassados e a mim próprio que exterminássemos as fracas nações. Perguntais-me se eu sou cristão: Deus o sabe e se o papa também o deseja conhecer, venha para se certificar».
De tribos professando a Fé de Cristo, Carpine apenas encontrara heréticos nestorianos que na China penetraram, segundo a lápida de Sian, em 635 da nossa era.
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A pressão mongólica sobre o Ocidente continuava a inquietar os mais altos paladinos do Cristianismo; e Luís IX de França, tendo conhecido de perto, em cruzada desastrosa, do valor e força daqueles guerreiros por profissão que, no dizer do seu mensageiro, frei André de Longumeau, tinham na extremidade do Mundo encurralado, em muralhas imensas, o povo de Gog e de Magog, resolveu enviar-lhes novo embaixador. Mais um franciscano partia perante a ansiedade duma Europa atormentada com o perigo do Oriente.
Guilherme de Rubruk, flamengo dos Frades Menores, acompanhado de Bartolomeu de Cremona, partia do Acre em 1252. Também a sua missão não foi coroada de êxito nos fins que tinha em vista. Mas o penetrante franciscano conseguira identificar o Cataio com a “velha Seres”, cujo conhecimento vinha do mundo clássico greco-romano. Fora a seda que trouxera o nome, do Extremo Oriental à Roma pagã, por caminhos que os mercadores percorriam, cruzando estepes, desertos e montanhas, para prazer das matronas da antiguidade.
Já Plínio o Velho escrevia:
- «Assim havia que atravessar a Terra desde os seus confins para que as donas de Roma pudessem mostrar os seus encantos, envoltos em tecidos transparentes».
Mais tarde a grande estrada de seda havia de ser interrompida por convulsões na Europa e em toda a Ásia. Mas o nome do “país de Seres” não fora mais esquecido entre a latinidade.
Nota: O mundo clássico grego-romano conhecia na Ásia um país chamado “Serica”, habitado pelos “Seres”. O carácter chinês que significa “seda” pronunciava-se antigamente “sir”. É presumível que a seda chinesa fosse conhecida da Ásia Meridional e por intermédio desta em Roma e na Grécia com o nome de “sir”. “Seres” era o nome da grande nação como era conhecida por terra no Extremo Oriente; “Sinae” como era conhecida por mar. Mas sempre se imaginou que “Cataio” e “Seres” eram dois países distintos. A seda deve ter aparecido em Roma no 1º século antes de Cristo através de Seleucia no Tigre e Antioquia. Na Europa imaginava-se que ela crescia nas árvores e, naturalmente, os chineses não o desmentiam.
In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.
Cortesia de Gráfica Imperial/JDACT