Cortesia de lfawebfolio
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«Dois clássicos portugueses podem disputar a primazia da limpidez e correcção de linguagem: um é frei Luís de Sousa, outro Manuel Bernardes; mais simples ainda e mais desafectado que o autor da «Nova Floresta», com menos preocupações de artista, embora de quando em quando se perceba, pelo tom da prosa, que vai, conscientemente, escrever um trecho de antologia, frei Luís de Sousa encanta pela brandura do estilo, pela serena esfera em que consegue mantê-lo, ainda na descrição de acontecimentos que exigiriam porventura a linguagem nervosa e enérgica de Vieira; de uma delicadeza sem par, ingenuamente gracioso, perfumado das rosas e violetas do convento de Benfica, todo ele no ritmo da água que docemente vai correndo de fonte a fonte, nos jardins da casa, o estilo de frei Luís de Sousa reflecte a atitude essencial de uma alma que toda se votou a uma vida tranquila e que olha o espectáculo do mundo com a indulgência e o íntimo sossego do santo.
Cortesia de pauloborges
Completamente afastado de tentações retóricas, nem uma única vez se inclina ante a moda gongórica que mancha os melhores escritores do século; as acrobacias de pensamento e de linguagem não atraem quem escreve por obediência e dá o melhor da sua atenção ao desenho do biografado ou ao maravilhoso dos milagres.
Quer mostre o arcebispo nas serras do Barroso ou na discussão de Trento, quer passeie o leitor pela igreja da Batalha ou lhe descreva o cerco de Ormuz e a destruição de Vila Franca, jamais se turva a clareza do seu dizer, jamais se entretém o bom frade naqueles arrebiques e sábios equilíbrios de períodos a que por vezes, embora raramente, Bernardes se entregou.
Senhor da língua, sentindo-lhe perfeitamente o génio e as tendências, soube utilizar com propriedade, locuções tradicionais e dar cunho tão firme às que inventou, que não é hoje fácil tarefa destrinçá-las das outras. Nas imagens trabalhou como poeta e soube adaptá-las ao ritmo e às exigências da prosa com o tacto e a segurança dos verdadeiros escritores; nem por excesso de metáforas ficaram as páginas empoladas e artificiais, nem por defeito, pobres e sem vida.
Cortesia de cantosdaleitura
Cheio de pureza, de graça, de religiosa gravidade, de compassado movimento, sensível à ironia branda do moralista, exacto na expressão das ideias, animado de uma bondade que o embebe de finura e de modéstia, o estilo de frei Luís de Sousa aparece-nos como um dos que mais apuraram a nossa língua e contribuíram para a fazer abandonar de todo, as asperezas e incertezas de 500, tornando-a um instrumento maleável e sólido nas mãos dos futuros escritores.
Sob o aspecto histórico a obra de frei Luís de Sousa reflecte, em geral, a deficiência documental e crítica que caracteriza as «Crónicas e Anais» com que os antigos (especialmente os autores do século XVI relatavam os acontecimentos e retratavam os homens.
Tiveram especial valor os Anais de D. João III, sobretudo pelo importante material de investigação de que se serviu o autor. Utilizou ele e citou bastantes documentos, alguns dos quais Alexandre Herculano veio a aproveitar. Dentre eles são de especial interesse as Memórias de António Carneiro, secretário dos reis D. João II e D. Manuel. Nota-se nos Anais um especial interesse do autor por tudo quanto se refere à história ultramarina de Portugal, interesse que explica o longo relato que faz na Vida de frei Bartolomeu dos Mártires do cerco e defesa de Mazagão». In Augusto Reis Machado, Fundação Calouste Gulbenkian.
Cortesia da Fundação Gulbenkian/JDACT