«(…) A actuação das autoridades religiosas e eclesiásticas para oficializar o culto da rainha deu-se em diferentes datas: em Abril de 1516, ela foi beatificada pelo Papa Leão X; em 1556, o Papa Paulo IV ampliou o culto da rainha a todo o território português; em 1560, foi criada, em Coimbra, a Confraria da Rainha Isabel; em 1612, seu túmulo foi aberto pela primeira vez; em 1625, o Papa Urbano VIII declarou-a Santa; Rei Felipe IV, também denominado III pelos portugueses, elegeu-a Protectora do Reino; em 1677, o corpo da Rainha Santa foi transferido provisoriamente para a capela do novo mosteiro de Santa Clara, no Monte da Esperança; em 1687, o corpo da Rainha Santa foi transferido, com grande solenidade, da capela provisória para o novo convento; em 1691, a Santa foi transferida para o coro alto da Igreja; em 1747, foi publicada a bula áurea da canonização pelo Papa Bento XIV e, em 1755, a Câmara Municipal de Coimbra elegeu a rainha Santa Isabel como Padroeira da Cidade. É importante observar ainda que, o empenho das autoridades constituídas, para canonizar a rainha, contribuiu para a recolha e a preservação de muitos relatos sobre a sua vida, o que colaborou também para a revitalização e a actualização do seu mito e da sua lenda.
Se por um lado, tanto o texto do
século XIV, quanto os textos dos séculos XVI e os subsequentes foram
importantes para perpectuar os contornos sobre-humanos da rainha, por outro,
eles contribuíram, para elevar e transformar os gestos ordinários
característicos de uma mulher que pertencia à realeza e que cumpria as funções
políticas do seu tempo, em gestos de uma rainha santificada ainda em vida, o
que não corresponde ao período em que a rainha viveu. Nesse sentido, esses autores,
ao escreverem, pintarem ou esculpirem obras sobre os feitos da rainha Isabel,
potencializaram sua vida com eventos extraordinários e essencialmente sagrados,
combinando suas realizações políticas em vida com sua lenda e seu mito, ambos
construídos posteriormente ao seu falecimento.
Em relação a esse aspecto, as
referências sobre Santa Isabel são exemplares, uma vez que, segundo os
cronistas e hagiógrafos, depois do casamento, a rainha viveu entre as intrigas
da corte, o ciúme das damas, as rivalidades amorosas, as acusações de
adultérios que recaíam sobre sua pessoa e a do rei e, principalmente, entre sua
fé e suas orações como único meio para solucionar as conturbações políticas
porque passava o reino português naquela época. Essas imagens atribuídas à
rainha serviram para reforçar ainda mais sua importância como modelo de mulher
perfeita, contribuindo para que ela ficasse conhecida pelo povo português,
entre outros atributos, como um exemplo de esposa dedicada, de mãe perfeita e
uma autêntica heroína, apenas feita de amor, de perdão, de paz e de santidade. Essas imagens ganhariam novos
contornos com a morte de dom Dinis, em 7 de Janeiro de 1325. Segundo os
cronistas, foi durante esse período de 11 anos em estado de viuvez que a rainha
Isabel desempenhou fielmente todas as acções de uma verdadeira santa, ao se
recolher no mosteiro de Santa Clara e viver uma verdadeira vida franciscana,
empregando todo seu tempo a serviço dos necessitados e dedicando-se aos
exercícios de compaixão e de mortificações.
Porém, as referências em relação
à vida da rainha e à evolução do seu culto não estão cingidas apenas ao
conhecimento da hagiografia. Numa tentativa de superar essa visão, alguns
estudos propuseram novas reflexões sobre essa personagem. O exemplo mais
clássico é o livro de António Vasconcelos Dona Isabel de Aragão, a Rainha Santa. Publicado em dois
volumes e em edição facsimilada, nos anos de 1891 e 1894, essa obra foi
pioneira na tentativa de realizar uma leitura isenta do culto à rainha Santa
Isabel. Nela, o autor confessaria que não seria seguro remontar seu estudo ao
tempo em que ela viveu e, assim começaria por indagar sobre as primeiras
manifestações culturais do espírito religioso do povo dirigidas à dona Isabel
de Aragão logo após a sua morte. Foi, portanto, a partir dessa premissa que
António Vasconcelos desenvolveu sua pesquisa, ou seja, discutiu o desenvolvimento
e as implicações político-religiosas do culto à rainha depois do depósito do
seu cadáver no mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Uma das primeiras obras que tem por objectivo realizar uma
leitura do papel político da rainha Isabel foi realizada por Maria Teresa Lobo
Ávila em 1923. Apresentada como tese de licenciatura à Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, esse estudo, apesar de a autora destacar alguns
episódios da participação da Rainha nos assuntos políticos do reino, carecem,
porém, de uma reflexão crítica sobre o significado das acções políticas e
religiosas da rainha Isabel». In José Carlos Gimenez, A Rainha Isabel nas Estratégias Políticas da
Península Ibérica 1280-1336, Teses de Doutoramento, UF do Paraná, Ciências
Humanas, 2005.
Cortesia de UFParaná/CHumanas/JDACT
JDACT, José Carlos Gimenez, Caso de Estudo, Península Ibérica, Rainha Isabel,