domingo, 23 de janeiro de 2022

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «A minha antiga Musa se desvia, só me inspira a cruel melancolia; outro Apolo não tenho que o meu dano»

Cortesia de wikipedia e jdact

«[…]

Águas

Quantas vezes a Musa me guiava

Ao lugar em que terno suspirava

Petrarca saudoso, que em Vaucluso

Suave fez o uso

Da cítara cadente, repetindo

Aquela branda história

Que lhe pôs na memória,

Com as farpas de Amor, um gesto lindo!

Aonde os pensamentos me levavam!

Parecia-me que as Musas enlaçavam

Com fios de ouro as ramas do loureiro;

Depois, que o Deus flecheiro,

Verdes mirtos colhendo, os ia unindo

À formosa capela

De que a Musa mais bela

Coroou Petrarca, Laura, repetindo.

Sonhos vãos que forjava a fantasia!...

Prazeres que benigno Amor fingia!...

As Dríades me ouviram mil canções,

Que aos ternos corações

Excitaram mil gratos sentimentos.

Hoje, nos troncos duros,

Dos meus fados escuros

Escrevo os tão diversos movimentos!

A minha antiga Musa se desvia,

Só me inspira a cruel melancolia;

Outro Apolo não tenho que o meu dano.

Às vezes de ano a ano

Uma triste cantiga solitária

No centro do retiro,

Seguida de um suspiro,

Arranca do meu peito a sorte vária.

Ó Naides, que do fundo desta fonte

Ouvis o mal que Amor manda que eu conte,

Se acaso minhas lágrimas saudosas

Distinguirdes, piedosas,

Ah! condoei-vos, sim, do dano meu!

Se o mal que eu choro tanto

Paga outro terno pranto,

Dai-me a sorte feliz do claro Alfeu!

Canção, vai, que a levar-te não me atrevo;

Segue longe do meu outro destino;

Enquanto nos pesares que imagino

A minha acerba dor eu, triste, cevo.

[…]

Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in Poemas de Alcipe’

JDACT

A Arte, Encantamento, Fernando Pessoa, JDACT, Marquesa de Alorna, MLAC, Poesia, Alcipe,