O interdito ligado à reprodução
«(…) Essas restrições variam
grandemente de acordo com as épocas e os lugares. Todos os povos não sentem da
mesma maneira a necessidade de esconder os órgãos da sexualidade; mas escondem
geralmente da visão o órgão masculino em erecção; e, em princípio, o homem e a
mulher procuram a solidão no momento da conjunção. A nudez, nas civilizações
ocidentais, transformou-se no objecto de um interdito bastante pesado, bastante
geral, mas o tempo presente questiona o que parecia ser um fundamento. A experiência
que temos de mudanças possíveis não mostra, aliás, o sentido arbitrário dos interditos:
ela prova, ao contrário, um sentido profundo que eles têm, apesar de mudanças superficiais
que incidem sobre um ponto que em si mesmo não teve importância. Conhecemos
hoje a fragilidade dos aspectos que demos ao interdito informe de onde decorre
a necessidade de uma actividade sexual subordinada a restrições geralmente observadas.
Mas adquirimos nessa ocasião a certeza de uma regra fundamental que exige nossa
submissão a certas restrições
em comum. O interdito
que se opõe em nós à liberdade sexual é geral, universal; os interditos
particulares são os seus aspectos variáveis. Espanta-me ser o primeiro a dizer
isto tão claramente. É comum isolar um interdito particular, como a proibição
do incesto, que é somente um seu aspecto, e só ir buscar explicação fora de seu
fundamento universal que é a interdição informe e universal, cujo objecto é a
sexualidade. Mas, excepcionalmente, Roger Caillois escreve: Problemas que
fizeram correr muita tinta, como a proibição do incesto, só podem receber solução
exacta se os considerarmos como casos particulares de um sistema que abranja a totalidade das interdições
religiosas numa determinada sociedade. A meu ver, a fórmula de Caillois é
perfeita no seu princípio, mas determinada sociedade é ainda um caso particular,
um aspecto. O que deve ser abordado no momento é a totalidade das interdições
religiosas de todos os tempos, em todos os lugares.
A fórmula de Caillois me leva a
dizer desde já (sem nela me deter) desse interdito informe e universal que ele
é sempre o mesmo. Como sua forma, seu objecto muda: mas, quer se trate da
sexualidade ou da morte, o que é sempre visado é a violência, a violência que
assusta e que fascina.
A
proibição do incesto
O caso
particular da proibição do incesto é o que mais chama a atenção, ao ponto de
substituir numa representação geral o interdito sexual propriamente dito. Todos
sabemos que existe um interdito sexual informe e indizível: a humanidade
inteira o observa, mas de uma maneira bem diversificada, de acordo com os
tempos e os lugares, de sorte que não foi possível se chegar a uma fórmula que
permitisse falar dele de uma forma mais abrangente. A interdição do incesto,
que não é menos universal, traduz-se em práticas precisas sempre rigorosamente
bem formuladas, e uma só palavra, cujo sentido formal não é contestável, dá a
sua definição geral. É esta a razão porque o incesto foi o objecto de numerosos
estudos, enquanto o interdito do qual ele é apenas um caso particular, e de
onde deriva um conjunto sem coerência, não ocupa um lugar no espírito dos que
têm a oportunidade de estudar os comportamentos humanos. Tanto é verdade que a inteligência
humana é levada a considerar o que é simples e definível e a negligenciar o que
é vago, fugidio e variável. Assim, o interdito sexual escapou até agora à
curiosidade dos estudiosos, enquanto as formas variadas do incesto, não menos
claramente determinadas que as das espécies animais, propunham o que eles
queriam: enigmas sobre os quais podiam exercer sua sagacidade». In
Georges Bataille, O Erotismo, 1957/1968, tradução de João Bernard Costa,
L&PM Editores, 1987, Editora Antígona, Lisboa, 1988, ISBN 978-972-608-018-3.
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