A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491
Zarita
«(…) Entre as pessoas que vieram
à nossa casa apresentar seus pêsames nas semanas e meses após a morte de minha
mãe estava a condessa Lorena Braganza. Tinha 20 anos, somente cinco a mais do
que eu, e era apenas uma conhecida distante de nossa família, mas acariciou o
braço de meu paizinho como se fosse uma amiga íntima e ronronou condolências no
seu ouvido. A princípio, prestei-lhe pouca atenção, pois estava concentrada nos
meus próprios assuntos. Eu descobrira um propósito, uma missão especial de
caridade para empreender. Acreditava que, se conseguisse encontrar a mãe do
filho do mendigo e salvá-la da pobreza, eu poderia ser como minha maizinha e,
desse modo, estar perto dela ainda que tivéssemos sido separadas. Eu me via
agora como um anjo de piedade e esperava que isso expiasse minha má acção e
aliviasse um pouco da culpa que sentia pela morte do mendigo. Eu sabia que
teria de ir às áreas mais pobres da cidade e, por causa disso, precisaria de um
acompanhante. Não pedi a Ramón Salazar. Não achei que ele concordaria. Em todo
o caso, suas mais recentes visitas à minha casa costumavam coincidir com as de
Lorena Braganza, quando a atenção dele era desviada pela conversa e pelos
comentários espirituosos da condessa, e não houve qualquer oportunidade para eu
lhe falar em particular pelo menor período de tempo que fosse. Decidi pedir
ajuda a Garci, o administrador de nossa fazenda. Estava segura da sua ajuda,
pois, quando eu era pequena, ele não me recusava nada. Garci e sua esposa
Serafina nunca tinham sido abençoados por um filho e de certa forma me adoptaram,
de modo que podia lhe pedir qualquer coisa, que meu desejo era satisfeito. Portanto,
fiquei surpresa quando lhe resumi a minha proposta e ele sacudiu a cabeça.
Não, Zarita. Não irei com você às
favelas da cidade. Não podemos ter outro incidente no qual seu pai tenha de
aplicar uma justiça rápida para impedir roubos e violência. Justiça!, exclamei.
Aquilo não foi justiça, Garci. Não pode querer desculpar o que meu paizinho
fez, enforcando o mendigo sem um julgamento. Eu não estava lá, replicou Garci
lentamente. Como sabe, estava na feira equestre de Barqua. Olhou-me
severamente. E esse foi o principal motivo por você ter conseguido deixar esta
casa acompanhada apenas por Ramón Salazar. Se eu estivesse aqui, não teria
aberto o portão para você ir às ruas do velho porto sem uma escolta armada e
uma companhia feminina. Mudei de posição, incomodada. Garci adivinhara que eu
havia-me aproveitado do tumulto em casa naquele dia: meu paizinho, Ardelia e
Serafina, nossa governanta, estavam ocupados com a maizinha, de modo que
consegui dar uma escapulida acompanhada apenas por Ramón.
Portanto, como não testemunhei a
situação, prosseguiu, não julgarei os actos de seu pai. Ele é um homem
rigoroso. Fez uma pausa. E agora que sua mãe faleceu, quem estará presente para
lembrá-lo de que a piedade é uma virtude concedida por Deus? Garci mencionara
minha mãe, e percebi o seu ponto fraco». In Theresa Breslin, Prisioneira da
Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.
Cortesia de GRecord/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,