terça-feira, 25 de junho de 2019

Crisfal. Cristóvão Falcão. «Faz-me esta desconfiança ver meu remédio tardar, e já agora esperar não ousa minha esperança…»

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«[…]
Coitado de mim, cuitado,
pois meu mal não se amansa
com choro nem com cuidado!
Quem diz que o chorar descansa
é de ter pouco chorado;
que, quando as lágrimas são
por igual da causa delas,
virá descanso por elas;
mas como descansar hão,
pois que são mais as querelas?

Com tudo, olhos de quem
não vive fazendo al,
chorai mais que os de ninguém,
que o que é para maior mal
tenho já para maior bem.
Lágrimas, manso e manso,
prossigam em seu ofício:
que não façam benefício:
não servindo de descanso,
servirão de sacrefício.

Minhas lágrimas cansadas,
sem descanso nem folgança,
a minha triste lembrança
vos tem tam aviventadas
como morta a esperança.
Correi de toda vontade,
que esta vos não faltará.
Mas isto como será?
Pedi-la-ei à saudade,
e a saudade ma dará.

Todos os contentamentos
da minha vida passarom,
e em fim não me ficarom
senão descontentamentos
que de mim se contentarom.
Destes, polo meu pecado,
(inda que nunca pequei
a e quem amo e amarei),
nunca desacompanhado
me vejo nem me verei.

Faz-me esta desconfiança
ver meu remédio tardar,
e já agora esperar
não ousa minha esperança,
por me mais não magoar.
Se por isto desmereço,
dê-se-me a culpa assim
e seja só com a fim,
que há muito que me conheço
aborrecido de mim».
[…]
In Cristóvão Falcão, Crisfal, Coleção Textos Literários, Biblioteca Virtual do Estudante de Língua Portuguesa, 2ª. Edição, Lisboa, 1962.

Cortesia de BVELPortuguesa/JDACT