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de wikipedia e jdact
«(…)
És incapaz de me compreender, pai.
É inútil continuar esta conversa. O agricultor atirou a cebola para longe. Agora
basta. És meu filho e deves-me obediência. Adeus. Ardente voltou as costas ao
pai, que agarrou num cabo de ferramenta de madeira e lhe bateu nas costas. O
rapaz voltou-se lentamente. O que o camponês viu nos olhos do jovem colosso
aterrorizou-o e recuou até à parede. Uma mulherzinha enrugada saiu da
arrecadação onde se tinha escondido e agarrou-se ao braço direito do filho. Não
agridas o teu pai, suplico-te! Ardente beijou-a na testa. Tu também não, mãe,
tu também não me compreendes,
mas não te quero mal por isso. Descansa, vou-me embora e nunca mais voltarei. Se
saíres desta casa, preveniu-o o pai, deserdo-te! Estás no teu direito. Vais
acabar na miséria! O que me importa? Quando franqueou o limiar da casa
familiar, Ardente soube que nunca mais ali voltaria. Metendo pelo caminho que
seguia ao lado de um campo de trigo, o rapaz respirou fundo. Um mundo novo
abria-se à sua frente.
Ardente saiu da zona cultivada para se
dirigir ao Lugar de Verdade. Nem as queimaduras do sol nem a aridez do deserto
o assustavam. E o rapaz queria tentar o que fosse possível: talvez bater à
porta da aldeia fizesse com que ela se abrisse. Naquele fim de manhã não havia
ninguém na via pisada pelos cascos dos burros que, todos os dias, traziam à
confraria água, alimentos e tudo aquilo de que ela tinha necessidade para
trabalhar longe dos olhos e dos ouvidos. Ardente amava o deserto. Gostava da
sua força implacável, sentia-lhe a alma vibrar em uníssono com a sua e
caminhava dias inteiros sem se cansar, saboreando o contacto dos pés nus com a
areia ardente. Mas desta vez o rapaz não foi longe. O primeiro dos cinco
fortins que garantiam a protecção do Lugar de Verdade barrou-lhe o caminho.
Como Ardente tinha notado os vigias que não tiravam os olhos dele, foi direito
ao obstáculo. Mais valia enfrentar os guardas e saber o que podia esperar. Dois
archeiros saíram do fortim. Ardente continuou a avançar, com os braços ao longo do corpo
para mostrar bem que não estava armado. Alto! O rapaz imobilizou-se. O mais
velho dos dois archeiros, um núbio, dirigiu-se para ele. O outro colocou-se de
lado, esticou o arco e visou-o. Quem és tu? Chamo-me Ardente e quero bater à
porta da confraria do Lugar de Verdade. Tens um salvo-conduto? Não. Quem te
recomenda? Ninguém. Estás a fazer troça de mim, meu rapaz? Sei desenhar e quero
trabalhar no Lugar de Verdade. Esta zona é interdita, devias saber. Quero
encontrar-me com um mestre artesão e provar-lhe as minhas qualidades. Eu tenho
ordens. Se não te fores embora imediatamente,
prendo-te por ofensa à força pública.
Não tenho más intenções... Deixem-me tentar
a sorte! Desaparece! Ardente lançou um olhar às colinas circundantes. Não
tenhas esperança de te esgueirares por ali, avisou o archeiro núbio. Serias
abatido. Ardente teria podido atacar o polícia com um murro, atirar-se ao chão
para evitar a flecha do colega e depois tentar forçar a passagem. Mas quantos
archeiros teria que afastar do seu caminho antes de chegar à porta da aldeia? Desapontado,
voltou para trás. Logo que ficou fora da vista dos vigias, sentou-se numa
rocha, decidido a observar o que se passava naquele caminho. Havia de encontrar
uma ideia para conseguir. A mãe de Ardente chorava há horas sem que as filhas a
conseguissem consolar. O pai tinha sido obrigado a contratar três camponeses
para substituírem o jovem colosso. Furioso, sem deixar de se sentir
encolerizado contra o filho indigno, fora ao escrivão público para ditar uma
carta dirigida ao gabinete do vizir. Anunciando a sua decisão em termos
implacáveis e definitivos, o agricultor decretava, como lhe permitia a lei, que
deserdava Ardente e que a totalidade dos seus bens seriam para a esposa que
deles faria uso como entendesse. Se ela morresse antes dele, as três filhas
herdariam em partes iguais». In
Christian Jacq, A Pedra da Luz, Néfer, O Silencioso, Bertrand Editora, 2000, ISBN-978-972-251-135-3.
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