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de wikipedia e jdact
«(…) Os
termos do libelo são idênticos, mantendo-se também os 29 exemplos, a que se
juntam contudo outros 13, todos da autoria de algum dos arguidos: um é retirado
de um texto de Luiz Pacheco, nove pertencem a Ary dos Santos, ao passo que os
restantes três são de Melo e Castro. Percebe-se o objectivo de tentar implicar
mais diretamente cada um dos acusados, o que é confirmado pela natureza
diferente destes trechos: embora às vezes esteja em causa uma linguagem crua e
o recurso ao palavrão, parece, sobretudo nos casos de Luiz Pacheco e Ary dos
Santos, que é o alcance sociopolítico e o efeito iconoclasta que é objecto de
reparo e de tentativa de criminalização. Vejam-se os seguintes dois exemplos
(f. 232), um de cada autor:
«Assim
termina o lamento
Pois
recordar é sofrer
Ama
e fo… É bom sustento!
E por
nós reza um bater».
«O
Cordeiro de Deus foi assado no espeto
Extraíram-lhe
o bedum…, esfregaram-no com sal
Comeram-lhe
os col…. Deixaram-lhe o esqueleto
Tiraram-lhe
o retrato para pôr num missal»
A acusação
acrescenta que O livro em questão foi vendido publicamente, a mais de seis
pessoas e que Foram apreendidos 37 exemplares do mesmo. É escusado
sublinhar que, noutro contexto, ambos os números teriam sido certamente considerados
ridículos e insuficientes para justificar os crimes que estavam em causa. O
quinto aspecto menos conhecido do processo tem a ver com os argumentos usados
pela defesa, e é talvez o mais interessante. Parte dos argumentos é previsível
e passa pelo acentuar da validade e do interesse deste tipo de poesia e pela
negação da intenção de ofender a moral pública. Natália Correia, nas
declarações que presta na Polícia Judiciária a 18-1-1966, invoca os precedentes
abertos por Carolina Michäelis Vasconcelos [como já fizera no prefácio] e nos
nossos dias por Elsa Pacheco Machado e do Doutor Rodrigues Lapa, que publicaram
respectivamente, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e as Cantigas de Escarno
e Maldizer, colecções essas de nível universitário que são vendidos (sic)
abertamente nas nossas livrarias e nas quais se encontram algumas das produções
que vêm na Antologia referida nos autos e cuja terminologia é pelo menos tão
violenta como a da presente Antologia, se não for mais. Na contestação à
primeira acusação, afirma, ela ou o seu advogado, Manuel João Palma Carlos, de
modo contundente, numa retomada dos argumentos habitualmente usados pelas
vítimas de processos deste tipo. Um dos elementos interessantes apresentados
por Natália Correia é uma carta do poeta Eugénio Andrade, em que este uma nota
de gratidão.
A contestação mais interessante à primeira acusação é a de Mário
Cesariny Vasconcelos, provavelmente elaborada pelo seu advogado, Fernando Luso
Soares. Para além da sólida fundamentação jurídica, o autor discute com finura
a natureza da sátira e do erotismo e recorre a argumentos emblemáticos da
histórica literária. A dada altura cita dois casos de reacção judicial contra
escritores: Dostoievski, que foi acusado de se ter compadecido do destino
miserável dos camponeses que se encontravam reduzidos à condição de escravos». In Francisco
José Jesus Topa, A Sádica Nostalgia das fogueiras do Santo Ofício: o processo
judicial contra a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, Revista
Historiae, Universidade do Porto, Biblioteca
Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, Espólio de Natália Correia, Torre
do Tombo, Tribunal de Comarca de Lisboa, 4.º Juízo Criminal, 2015.
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