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e jdact
«(…) Já com o sol a dar os últimos suspiros, levava-os ao mosteiro
de San Francesco al Corso. A maioria persignava-se ao entrar no secular lugar
sagrado. Uns por crença, outros por contágio, os japoneses porque sim. Matteo
encaminhava-os por um corredor e desciam a uma cripta abobadada, por debaixo da
igreja. A humidade dos séculos agarrava-se a eles e às lápides dos monges que por
ali jaziam. Ao fundo, junto a uma parede, agrupavam-se em redor de um sarcófago
de mármore vermelho veronês vazio. Aguardava que o grupo se apertasse no
exíguo espaço e depois falava em surdina, muito devagar, novamente como se
estivesse a contar um segredo que não podia ser revelado. Este é o túmulo de
Julieta. Havia quem fizesse o sinal da cruz e se ajoelhasse a rezar, e quem
atacasse o túmulo com flashes fotográficos,
prontamente reprimidos por Matteo. No photos, alertava em tom repreensivo. Foi aqui que Julieta
ficou quando tomou o veneno. Do solitário, que repetia a visita pela quarta
vez, não havia sinal.
À noite, Matteo continuou, como
era habitual, a visita guiada de forma mais íntima, no seu quarto, em cima da
cama, com a presa escolhida de manhã. Raramente falhava. Mostrou-lhe os cantos obscuros
do prazer, os miradouros mágicos das percepções sensoriais, o fulgor dos corpos
sequiosos. Ó meu Deus. Ó meu Deus. Ó meu Deus. Se o Altíssimo estava a ser
invocado com tanto vigor era porque Matteo, mais uma vez, cumpria bem o seu
papel de amante italiano. Enquanto o suor se misturava com a respiração
ofegante da fome corpórea, a porta do quarto arrombada com estrondo deixou entrar
o turista solitário. Ó meu Deus, disse a mulher em pânico, saindo de cima de Matteo
e procurando refúgio debaixo do lençol. Quem é você?, conseguiu perguntar
Matteo, ainda desorientado.
O importante é quem você é,
Matteo Bonfiglioli, limitou-se a dizer o homem, muito calmamente. O
desconhecido exibiu uma Beretta de 9mm com cabo de madeira. Ó meu Deus,
tartamudeou a mulher. Ponha-se a andar, ordenou-lhe o homem. Ela pegou na
roupa, atabalhoadamente, e dirigiu-se à saída. Sugiro que se esqueça da minha
cara, Mary Theresa Goldwin. O seu marido espera-a no quarto número 204 do hotel
Due Torri. Pensa que saiu com a sua amiga Jill. Sabemos onde a Jill anda, não
sabemos, querida? Não se preocupem. A minha boca é um túmulo, disse, esboçando
um ar cínico. Sentou-se na beira da cama, de costas para Matteo. Se por acaso
não se esquecer de mim, eu faço uma visita ao Luke e ao Perry no Adams Hall, 63
South Green Dr., 45701, Athens, Ohio, ameaçou, levantando a arma. E não será
para lhes dizer que a mãe se comporta muito, muito mal.
Deixou a informação percorrer
todo o corpo da mulher como um calafrio cortante. Ela estava de costas, ainda
nua, e ele sabia que as lágrimas jorravam silenciosas pelo bonito rosto. Era suposto
ser apenas uma aventura sexual. Nada mais. Adeus, Mary Theresa Goldwin. Ela
saiu mas o desconhecido já tinha colado o olhar em Matteo, com a Beretta,
ameaçadoramente, apontada na sua direcção. Chegou a sua hora, Matteo
Bonfiglioli.
Na segunda-feira, a irmã Bernarda
testemunhou uma alteração à rotina, até ali imutável, do monsenhor Lucarelli.
Como fizera nos três dias anteriores, Stephano saiu logo depois do pequeno-almoço,
vestido com um fato de esqui lavado que a freira havia providenciado, e levando
os esquis e a mochila. Pela janela do terceiro andar, viu o carro desaparecer
ao fundo da rua. Como esperado, passou o resto da manhã e a tarde fora do
retiro. Bernarda aproveitava as horas em que o monsenhor se ausentava para
ajudar as irmãs nos outros pisos, ainda que a prioresa a tivesse libertado de
outros afazeres que não os de cuidar do enviado de Roma. Como não fora
autorizada a entrar no quarto e não havia mais o que fazer, a freira
obrigava-se a rezar por bons pensamentos e pelo perdão dos mais impuros,
durante sessenta minutos, na capela privada do terceiro andar, e depois descia
para ajudar a fazer camas de lavado, aspirar e mais o que fosse necessário». In Luís Miguel Rocha, A Filha do Papa, Porto Editora, 2013,
ISBN 978-972-004-411-2.
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