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«(…) E nas noites em que Marc se achava demasiado ocupado,
sem tempo para levá-la ao cinema ou para dar com ela um passeio de automóvel,
ou quando não se realizava uma festa, ela permitia que o marido fixasse os
olhos sobre as suas notas, fizesse as
suas pesquisas, corrigisse os seus escritos, trabalho de homem, enquanto ela
lia um romance ou assistia, com olhos sonolentos e entediados, a alguns
programas no aparelho portátil de televisão. Nada disto fora modificado por
Easterday e pelas Três Sereias. Contudo, e Claire tinha a certeza disso, alguma
coisa se modificara, no que lhe tocava. Era uma coisa que não se relacionava
com a rotina diária. Tratava-se de uma sensação, de uma bolha de emoção quase
tangível e efervescente, dentro do seu ser. Ela era a sra. Marc Hayden,
oficial, legalmente, para melhor, para pior, para sempre, desde há um ano e
nove meses. Com o casamento, um bom casamento tinham dito a mãe e o padrasto,
essa bolha de emoção dentro de si parecera vivaz, engraçada, como uma enorme
bolha que a elevava continuamente, e para além dela tudo era maravilhoso. Mas
pouco a pouco, à medida que os dias passavam, essa bolha detivera-se,
desvanecera-se, convertera-se num pequeno charco apavorante que não
representava absolutamente nada. Eis o que parecia a bolha: nada. Eis a sua
sensação no que se referia a tudo mais: nada. Era como se todas as excitações,
todas as possibilidades de ser feliz, se tivessem extinguido. Era como se todos
os factos da vida fossem previsíveis, os do próximo momento, do dia seguinte,
até ao último, e não houvesse esperança de se sentirem novos frémitos de
prazer, de se experimentarem novas alegrias. Eis a sensação, e quando ouvia
mães discutirem os sentimentos de depressão
que sobrevinham depois de darem à luz uma criança, perguntava-se se o mesmo não
seria válido em relação ao casamento. Não podia censurar ninguém pelas suas
decepções, nem Marc, decerto, Marc muito menos que as outras pessoas, com excepção,
possivelmente, da própria noiva, com o seu murcho buquê de grandes esperanças
ultra-românticas. Se tivesse dinheiro, pensava, financiaria um grupo de peritos
a fim de que estes descobrissem o que acontecia às Cinderelas após o casamento.
Contudo, cerca de cinco semanas antes do presente momento
uma coisa muito agradável acontecera a Claire. O efeito que produzira em toda a
sua pessoa fora imediato, mas nada revelara às pessoas que a rodeavam.
Sentia-se desperta. Experimentava uma sensação de bem-estar. Tinha a certeza de
que a sua vida iria conhecer melhores momentos, uma renovação quase total. E
sabia que o elemento inspirador fora a carta de Easterday. Dactilografara com
desvelo excertos resumidos, em duplicado, dessa carta. Conhecia de cor tudo o
que Easterday prometia. Com excepção de uma longa viagem de uma semana a
Acapulco e à Cidade do México, na companhia da mãe e do padrasto, quando tinha
quinze anos (recordava-se das Pirâmides, do Jardim Flutuante, de Chapultepec,
recordava-se de não se encontrar só nem sequer um instante), Claire nunca
estivera fora dos Estados Unidos. E agora, quase de um dia para o outro, seria transportada
para um lugar desconhecido e exótico
dos Mares do Sul. A promessa de uma transformação era quase insuportável, de
tão estimulante que era. Os verdadeiros pormenores acerca das Três Sereias
possuíam pouca realidade e portanto pouco significado para ela.
Tinham bastante semelhança com as milhares de palavras dos
livros de Maud, de inúmeros outros volumes sobre antropologia que lera
atentamente, e tudo parecia apenas história, passado remoto, sem nada a ver com
sua vida presente. Todavia, a data aproximava-se cada vez mais, e se Easterday
não era o romancista que lhe chamara Marc, se aquelas coisas fossem verdadeiras
e não constituíssem somente palavras, ela estaria em breve numa cabana
sufocante, entre homens e mulheres quase nus, que retiravam os víveres de um
armazém comum, que consideravam a virgindade um defeito e a educação prática
nos assuntos do sexo uma necessidade, que praticavam o amor numa Cabana de
Auxílio Social e num festival, sem restrições e inibições (com um concurso de
beleza nudista!).
Claire
lançou um olhar para o relógio de parede esmaltado que se encontrava ao lado da
banheira. Eram nove e um quarto. A primeira aula de Marc já teria terminado.
Hoje, disporia de quatro horas antes da aula seguinte. Perguntou-se se ele
voltaria a casa ou se se dirigiria para a biblioteca. Decidiu que era melhor
vestir-se. Estendeu a mão e fez girar a
alavanca que se achava sob a torneira; o escoadouro abriu-se e a água e a
espuma começaram a descer com o ruído característico. Ergueu-se e, cautelosamente, passou um pé sobre uma das bordas da banheira, ficando a gotejar sobre o espesso
tapete branco». In Irving Wallace, As Três Sereias, Livros do Brasil, coleção Dois Mundos, 2000, ISBN: 978-972-381-025-7.
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