O conceito de
Fronteira
«(…) Evidentemente que existem problemas
fronteiriços entre reinos cristãos, mas terão, quanto a nós, de ser colocados
em categorias não idênticas, já que estamos perante grupos que reconhecem entre
si certas semelhanças. A zona de separação entre Estados, no período da Reconquista,
não é pois uma linha estável e de paragem duradoura, mas sim um momento de paragem
temporário por falta de condições para uma maior penetração em território
hostil. É igualmente uma região onde, devido á indefinição, os dois poderes
interferem. De qualquer forma, existe também um outro conceito que terá de ser
aqui introduzido: o de fronteira segura, isto é, o da faixa bem definida e
organizada, do ponto de vista político, social e económico, pelo menos
teoricamente, a salvo de qualquer investida. As comunidades de fronteira são
grupos sempre em risco, e que têm de obedecer a regras muito precisas para
poderem sobreviver em ambiente hostil, nem por isso deixam de ser lugares onde as
pessoas vivem o seu quotidiano familiar, e não estão dependentes apenas de
migrações de novos militares para crescerem demograficamente, e para se
renovarem. No período da Reconquista, a definição das áreas de fronteira eram
fundamentais. Por definição queremos significar a clara divisão do espaço
fronteiriço em subsistemas defensivos, o que passava por uma organização e
planificação, não sendo fruto da soma de experiências empíricas. Só com esta
protecção de rectaguarda podem as comunidades pensar em movimentos
expansionistas. É evidente que, pela fortuna das armas, essas fronteiras
seguras podem transformar-se em frentes de combate. Mas o espaço organizado estava
atrás de uma zona militarizada de defesa avançada, actuando assim, e em
simultâneo, como um espaço de organização de defesa em profundidade já que os
vazios intercalares entre comunidades primitivas, tiveram como herdeiros umas
zonas de marcas que limitavam os territórios mediante sectores mais ou menos incultos,
cuja importância espacial se encontrava em proporção inversa à densidade
demográfica geral. As guerras levadas a cabo pelas comunidades cristãs de
fronteira não eram expedições de conquista em larga escala, mas sim raids
(numa classificação assente no vocabulário técnico militar, que evidentemente
teve conotações diferentes ao longo da História) com o fim de fustigar o
inimigo, roubar-lhe e/destruir-lhe as riquezas, capturar mão-de-obra que iria
substituir, em parte e em certas regiões, aquela que era agora empregue em
tarefas de guerra. Essas comunidades que recebiam, em certos momentos,
privilégios dos monarcas, viviam sobretudo do saque, complementando a sua
actividade económica com o pastoreio e a caça, nos locais onde as condições
eram propícias, e desenvolvendo nos tempos de acalmia, um comércio entre os
dois lados da fronteira, muito embora tal fosse, em teoria, proibido.
Para as terras que constituíam a defesa avançada, as actividades bélicas não
teriam finalidade, numa primeira fase, o povoamento, no sentido que se dá
tradicionalmente a este conceito, e que implica a sedentarização de famílias de
colonos, o arroteamento de terras e a constituição de comunidades rurais (e
mais tarde, se se proporcionasse, de comunidades urbanas). O movimento povoador
acontecia nos territórios de fronteira, mas em zonas afastadas do limes.
Nos territórios limítrofes entre as duas
formações essa seria, se as condições ajudassem, a tarefa para uma segunda
fase, quando o território estivesse seguro. A agricultura que era praticada de
início não ia mais além de um pequeno aro rural à volta de um ponto
fortificado. Permite-nos, por isso, colocar em dúvida a amplitude do movimento
de presúria realizado por estas populações, no sentido que mais comummente se
dá a este conceito: o de apropriação de terras em ou junto do território
inimigo. Estes grandes movimentos seriam levados a cabo pelo rei ou pelos
nobres, em seu nome que, depois de segurar militarmente a região, distribuíam a
terra aos novos colonos, ou permitiam que nelas se instalassem. A presúria
levada a cabo pelos vilãos seria a ocupação de terra já conquistada, mas sem
dono, pondo-a em valorização pelo trabalho agrícola, ou então pequenos avanços
para terras limítrofes, desertas de gentes». In Ana Santos Leitão, Arez da
Idade Média à Idade Moderna, Tese de Mestrado, Edições Colibri, Centro de
História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013, CM de Nisa.
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