sábado, 17 de março de 2018

O Último Segredo do Templo. Paul Sussman. «O rapaz cuspiu a pedra que tinha na boca, agarrou noutra da pilha aos seus pés, colocou-a na baladeira de sua funda de couro e espreitou as muralhas…»

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Templo de Jerusalém. Agosto, ano 70 d.C.
«(…) O rapaz retirou uma pedra do bolso de sua túnica e começou a chupá-la, esforçando-se para esquecer a sede que sentia. Ele chamava-se David e era filho de Judá, o vinicultor. Antes da grande revolta, a sua família havia cultivado uma vinha nas colinas fora de Belém: uvas vermelho-rubi que produziam o vinho mais puro e doce que alguém pudesse provar, como a luz do sol nas manhãs de Primavera, como a brisa suave na sombra de tamarindeiros. No Verão, o rapaz ajudara a colher e a espremer as uvas, pisando-as, sorrindo com a sensação dos polpudos frutos sob os seus pés e a maneira como o suco manchava as pernas de vermelho-sangue. Agora as tinas de estavam quebradas, os vinhos estragados, e os membros da sua família assassinada, toda ela. Encontrava-se sozinho no mundo. Aos doze anos de idade já carregava a dor de um homem cinco vezes mais velho. Aí vêm eles outra vez! Preparem-se! Preparem-se! Ao longo das fortificações, o brado soou como um novo sinal das tropas romanas precipitando-se sobre os muros do Templo; escadas sendo usadas para escalar os muros já podiam ser avistadas, tanto que, naquele furor sombrio e infernal, parecia que milhares de gigantes centopeias desciam pelas paredes. Uma desesperada saraivada de pedras atingira-os, levando o ataque a parar por um momento antes de avançar novamente, alcançando os muros e erguendo as escadas, cada uma sustentada no chão por dois homens enquanto vários outros usavam estacas para içá-las e colocá-las do outro lado da muralha. Uma multidão de soldados começou a escalada, percorrendo todos os lados do Templo como uma crescente nuvem negra.
O rapaz cuspiu a pedra que tinha na boca, agarrou noutra da pilha aos seus pés, colocou-a na baladeira de sua funda de couro e espreitou as muralhas, procurando um possível alvo distraído pela saraivada de flechas lançadas logo abaixo. Ao seu lado uma mulher, dentre muitas outras auxiliares na defesa dos muros, cambaleou, com a garganta trespassada por uma lança, o pilum, seu sangue jorrando pelas mãos. Ignorou-a e continuou a avaliar o exército inimigo, finalmente reconhecendo um romano responsável por levar a insígnia da XV Legião Apollinaris. Rangeu os dentes e começou a girar a funda sobre a cabeça, olhos atentos no alvo. Girou uma, duas, três vezes…
O seu braço foi agarrado por trás. Ele virou-se, esmurrando o estranho com o punho livre e aos pontapés. David! Sou eu, o Eleazar. Eleazar, o ourives! Um enorme homem barbudo achava-se bem atrás dele, com um pesado machado de ferro enfiado no seu cinto, a cabeça enfaixada com um pano ensanguentado. O garoto parou de se debater. Eleazar! Eu pensei que fosse... Um romano? O homem riu melancolicamente, apoiando-se no braço do garoto. Não cheiro assim tão mal, pois não? Eu teria atingido o porta-estandarte deles, repreendeu o garoto. Era um alvo fácil. Eu teria esmagado a cabeça do sacana! E o homem sorriu, outra vez com mais simpatia. Tenho certeza de que o terias atingido. Todos sabem que David Bar-Judá é o melhor atirador de funda das redondezas. Mas há coisas mais importantes neste momento. Ele observou à sua volta e então baixou o tom de voz. O Matias mandou-me chamar-te. O Matias! A notícia surpreendera o garoto. - O Sumo... O homem tapou-lhe a boca com a mão e olhou novamente ao redor. Cala-te!, silvou. Há algo aqui, algo secreto. Simão e João não ficariam nada satisfeitos se soubessem que isso foi feito sem o consentimento deles. Os olhos do rapaz cintilaram, confusos: sem compreender o que o homem estava a falar. O ourives não fez qualquer esforço para se explicar e apenas observou, assegurando-se de que as suas palavras tivessem surtido o efeito desejado; então retirou a mão da boca do rapaz e, segurando-lhe o braço, conduziu-o pela parte superior das muralhas e fê-lo descer umas estreitas escadas até o Pátio das Mulheres cujas lajes estremeciam que os aríetes dos romanos embatiam nos portões do templo com um vigor renovado». In Paul Sussman, O Último Segredo do Templo, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-056-9.

Cortesia de BEditora/JDACT