«(…) Simples aforamentos
colectivos, cartas de povoamento ou forais eram os documentos que, muito diversamente,
avalizavam essa auto-organização (actualmente, tende-se mais a considerar como
principais motivos inspiradores das concessões régias ou senhoriais à vontade
política de fixar as populações às terras, fixação era necessária nos planos
políticos e militar, e vantajosa do ponto de vista económico, ou a necessidade
de obter a colaboração destas na organização militar, e não tanto a luta dos
povos pela autonomia. Aceita-se, porém, que os concelhos tenham surgido na
continuidade de esquemas de solidariedade multisseculares, pré-romanos,
reforçados por circunstâncias político-militares, debilidade do poder político,
no topo, e estado de guerra permanente, depois enquadrados no âmbito de um
processo de senhorialização) Comparativamente às outras categorias referidas,
as cartas de foral eram dotadas de maior complexidade, já que prescreviam
normas de direito público, previam um quadro mais ou menos complexo de magistraturas
locais, dotadas de alguma autonomia face aos poderes régios e senhoriais, e a
concessão de um conjunto de privilégios. Não pretendiam, porém, regular
integralmente as relações entre o concessionário e o concelho. De fora ficavam,
por exemplo, as prerrogativas consideradas inerentes à realeza ou ao senhorio,
ou as disposições consagradas pelo direito consuetudinário. Não tinham o carácter
de generalidade que é apanágio da lei, antes instituíam um regime especial,
para um grupo de pessoas concreto.
Condicionalismos históricos ou
geográficos e razões de natureza política justificaram a diversidade dos
clausulados dos forais e a existência de famílias de concelhos. Desde
Herculano, vários investigadores têm procurado detectar modelos definidores
dessas famílias, ora aplicados de forma mecânica, ora com alterações mais ou
menos substanciais. A organização municipal de Tomar inspirou-se, muito
claramente, no esquema estatuído pelo foral concedido a Coimbra, em 1111, pelo
conde portucalense Henrique. A carta concedida por Gualdim Pais em 1162 seguiu,
quase literalmente, tal modelo. Aquele esquema preponderou, de forma visível,
na Alta Estremadura. Também representado, embora com mais substanciais
adaptações, na Beira Interior, entre Viseu e Longroiva, surgiu ainda noutras
áreas da Estremadura, como Sintra. Os condes, depois os reis de Portugal, os
templários e até particulares seriam os factores de difusão do modelo naquelas áreas
(seguem de perto o modelo coimbrão as cartas concedidas a Soure, Tomar, Pombal
e Castelo do Zêzere, pelos templários, a Ourém, por dona Teresa Afonso, irmã do
rei Sancho I, e a Arega e Figueiró, por Pedro Afonso, irmão do mesmo monarca. Integram-se
na mesma “família: na Estremadura, os forais de Penela, Miranda do Corvo,
Leiria, Lousã, Penacova, Sintra e Pedrógão, este concedido pelo referido Pedro
Afonso; na Beira Interior, os de Azurara, Sátão, Tavares, Muxagata, Viseu, Sernancelhe,
Sabadelhe e Longroiva).
Na primeira metade do século XII,
oscilava a fronteira entre cristãos do ocidente, portucalenses e coimbrãos, e
muçulmanos entre o Mondego e o Tejo, ao sabor da relação de forças. Em
1116-1117, uma ofensiva almorávida atingiu o Mondego, pondo em perigo Coimbra, onde
se encontrava a condessa Teresa. Mas, nas décadas seguintes, debilitou-se o
poder almorávida, ao mesmo tempo que o jovem Afonso Henriques consolidava o seu
poder. Cerca de 1130, o jovem dirigente deixou o norte e fixou-se em Coimbra,
na ânsia de se desprender da nobreza senhorial de Entre-Douro-e-Minho e de
dilatar o território para sul. O seu desígnio de dotar Coimbra de um sistema
defensivo que a protegesse das incursões dos muçulmanos de S; antari; n e
al-Us; buna implicava não só a construção de novos castelos mas também pressupunha
o apoio das milícias templárias, razão por que atribuiu a estas o castelo de
Soure. Requeria igualmente a colaboração política e militar das comunidades
vilãs da área fronteiriça, motivo de um forte empenhamento na concessão de
forais às povoações mais importantes da área, contrapartida da
responsabilização das mesmas na defesa e valorização da terra. A política
socialmente ambivalente do jovem rei, imposta pelas difíceis circunstâncias da Reconquista,
impulsionava a criação de um Portugal senhorial e um Portugal concelhio,
distintos quanto à estratificação social e à ordem política, mas
interrelacionados e coordenados pelo mesmo poder monárquico». In Manuel
S. A. Conde, Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de Sarmento, Centro de
Estudos do Património, Universidade do Minho, Revista Guimarães, nº 106, 1996.
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