domingo, 25 de março de 2018

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria na construção do Mundo Ocidental, Actas do IV Encontro sobre Ordens Militares»

jdact

Documento 7. 1390, Setembro, 30. Santarém
(…)

A filiação da Ordem de Avis em Calatrava. Visita de 1346
«(…) Quando, há alguns anos, apresentámos na Faculdade de Letras do Porto
a nossa Dissertação de Mestrado, tivemos ocasião de constatar que a maioria dos estudos até então efectuados sobre a Ordem Militar de Avis se tinha dedicado às origens dessa milícia e à sua filiação na Ordem de Calatrava. Desde então novos trabalhos têm vindo a ser dados à estampa, mas a temática, bem como a cronologia sobre a qual se dedicam, têm sido bem diversas. Deste modo, as dúvidas relativas à dependência de Avis face a Calatrava, levantadas nomeadamente por A. Javierre Mur e por Miguel Oliveira (para nos referirmos exclusivamente a dois dos autores que têm sido sucessivamente citados pelos historiadores mais recentes), continuam por esclarecer pese embora a contribuição de alguns estudiosos, entre os quais nos incluímos, que têm vindo a permitir uma compreensão mais global do tema.

NOTA: Publicado em As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria na construção do Mundo Ocidental, Actas do IV Encontro sobre Ordens Militares. Lisboa: Edições Colibri/Câmara Municipal de Palmela, 2005.

Fundada em 1175/76, por Afonso Henriques, ou pelo menos por este apoiada, a milícia dos freires de Évora (chamada Ordem de Avis depois de 1211) surge no contexto da Reconquista do território português. A participação do monarca terá tido a sua justificação no facto de este, segundo Ruy Azevedo, pretender criar uma instituição de tipo monástico-militar, tal como se fizera uns anos antes para os reinos de Leão e Castela nas praças fortes de Calatrava e Uclés. De qualquer modo, pensamos que os primeiros cavaleiros eborenses terão sido portugueses, até porque o seu mestre (Gonçalo Viegas de Lanhoso) também o era, não nos parecendo, por isso, de aceitar a hipótese levantada por alguns autores segundo a qual um grupo de cavaleiros castelhanos da Ordem de Calatrava se terá implantado em território português, concretamente em Évora, onde terá fundado uma casa. Mas genuinamente nacional ou não, e tal como referiu M. Miguel Oliveira, uma nova Ordem religiosa (e militar no caso vertente) teria dificuldade em ser reconhecida pela Santa Sé, motivo pelo qual terá procurado ligar-se a outra já devidamente aprovada pelo Sumo Pontífice. A escolha recaiu então sobre a Ordem de Calatrava, que, como os freires eborenses, professava a Regra de S. Bento, na reforma cisterciense, já adaptada a monges guerreiros.
Continua, no entanto, por determinar quando é que ocorreu esta filiação. O certo é que ela se deu durante o mestrado de Gonçalo Viegas, mais concretamente em data anterior a 1187, altura em que são confirmadas à Ordem de Calatrava as suas propriedades em Castela, Leão e Portugal. Uma rápida comparação dos diplomas régios e pontifícios (estes no que diz respeito à confirmação dos bens calatravenhos em Portugal) mostra claramente que o património confirmado pelo pontífice é o mesmo que constitui o objecto de várias doações do primeiro monarca português. Ou seja, a filiação de Avis teve lugar entre 1176, data da primeira doação de Afonso Henriques aos freires de Évora, e 1187, altura em que os bens doados já são referidos na bula como pertencendo à Ordem de Calatrava. Assim se entende que os documentos mais antigos existentes no cartório da Ordem de Avis se refiram frequentemente aos cavaleiros de Calatrava em Portugal, ou que os mestres e freires surjam na documentação com títulos que denotam claramente essa dependência. Sem a pretensão de ser exaustiva, as intitulações dos Mestres e as inscrições constantes em vários actos ilustram o que acabamos de afirmar:

1213.12.12  Fratre Fernando, magistro Militie Elborensis, Ordinis Calatrava.
1214.04  Fratres Elbore, Calatravensis Ordinis.
1215.01.12  Fernando Johannis magistro Ordinis de Avis (...) in Regno Portugaliae.
1224 (?)  Fratribus de Elbore et de Ordine de Calatrava.
1226.02  Fratrum eiusdem Ordinis [Ordem de Calatrava] qui in Portugalia habitaverint.
1227.07  Lourenço Garcia, mestre de Calatrava, et omnes flaires (sic) qui sunt in Purtugal que obedint Avis.
1228.05  Calatravensis Ordini videlicet mansioni de Avis.
1229.04  Ordini de Calatrava fratribus que fuerint in Portugalia.
1233.03  Ordini Calatravensis in Portugalia.

A documentação avulsa dá-nos igualmente mais um ou outro elemento que confirmam esta ideia. Referimos apenas um: em 1220, os freires de Évora dizem a Honório III que haviam feito um acordo presente et consentiente Magistro Calatravensis com o bispo diocesano, e que este os obrigara depois a assinar uma nova composição, esta sem o consensum dicti Magistri». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT