«(…) Longos meses de cuidadosos
preparativos e planos clandestinos tinham dado resultado e parecia aproximar-se
o momento dourado em que mais uma vez um rei Stewart iria reclamar o trono de Inglaterra.
O modo como esta grande aventura falhara, e por que motivo tal sucedera, era
uma das histórias mais fascinantes dessa época, uma história de intriga e
traição, que todos os lados se tinham esforçado por encobrir e enterrar,
apreendendo documentos, destruindo correspondência, espalhando boatos e informações
erradas que tinham sido considerados factuais até aos dias de hoje. A maior
parte dos detalhes que tinham sobrevivido tinham sido registados por Nathaniel
Hooke. Eu gostava daquele homem. Tinha lido as suas cartas e tinha percorrido
os mesmos corredores de Saint-Germain-en-Laye que ele percorrera. Conhecia os
pormenores do seu casamento, dos seus filhos, da sua vida relativamente longa e
da sua morte. Por isso, era frustrante para mim, depois de cinco longos meses
de escrita, continuar a lutar com as páginas do meu romance, e o personagem de
Hooke continuar a recusar-se a ganhar vida.
Sabia que Jane pressentia de que
eu passava por alguns problemas, conforme ela dizia, conhecia-me há demasiado
tempo e demasiado bem para não prestar atenção aos meus estados de espírito.
Mas ela também sabia que eu não gostava de falar sobre os meus problemas, pelo
que tinha o cuidado de não falar comigo directamente sobre esses assuntos.
Sabes, no último fim-de-semana li os capítulos que me enviaste… Quando é que
consegues arranjar tempo para ler? Há sempre tempo para ler. Li aqueles capítulos
e perguntei-me se alguma vez pensaste em contar as coisas a partir do ponto de
vista de outra pessoa…, de um narrador, sabes, da mesma forma que Fitzgerald
faz com Nick, em O Grande Gatsby.
Ocorreu-me que alguém do lado de fora talvez pudesse movimentar-se mais
livremente e ligar todas as cenas. Era apenas uma ideia. Parou por ali, e sem dúvida
sabendo que a minha primeira resposta ao conselho de alguém era oferecer uma
forte resistência, mudou de assunto.
Cerca de vinte minutos mais
tarde, estava a rir-me das suas descrições secas sobre as alegrias de cuidar de
um recém-nascido, quando o marido, Alan, enfiou a cabeça pela porta entreaberta
do quarto. Sabem que está a decorrer uma festa lá em baixo?, perguntou-nos, com
uma cara mal-humorada que eu teria levado muito mais a sério se não soubesse
que era fingida. Por dentro, era um coração mole. Sozinho não consigo entreter
toda aquela gente. Meu querido, respondeu Jane, eles são da tua família. Mais uma razão para não me deixarem
sozinho com eles. Mas piscou-me um olho. Ela não te pôs a falar de negócios,
espero? Disse-lhe para te deixar em paz. Está demasiado preocupada com
contratos. Jane lembrou-o: bem, é esse o meu trabalho. E, para tua informação,
nunca me preocupei minimamente com a possibilidade de a Carrie não respeitar um
contrato. Ela ainda tem sete meses para entregar o primeiro rascunho. Jane
pretendia animar-me, mas acho que Alan terá visto o meu baixar de ombros,
porque estendeu a mão na minha direcção e disse: então, anda daí. Vamos até lá
abaixo tomar uma bebida e contas-me como foi a viagem. Estou impressionado por
teres conseguido fazer todo o trajecto a tempo.
Faziam todo o género de piadas
sobre a minha tendência para me distrair quando viajava, pelo que optei por não
lhes dizer nada sobre o meu desvio enquanto subia a costa. Mas lembrei-me de
uma coisa: Alan, perguntei, vais voar amanhã? Vou. Porquê? A pequena frota de
helicópteros de Alan prestava assistência às plataformas de petróleo que pontilhavam
o Mar do Norte, ao largo da costa acidentada de Peterhead. Ele era um piloto
destemido, como eu ficara a saber da única vez que permitira que ele me
levasse. Quando me trouxera de volta a terra firme, mal sentia as pernas. Mas
naquele instante disse: será que podias levar-me a viajar um pouco ao longo da
costa? O Nathaniel Hooke veio até aqui duas vezes desde França, para planear intrigas
com os nobres escoceses, e das duas vezes foi até ao castelo do conde de
Erroll, Slains, que, a julgar pelo mapa antigo que tenho, parece ficar algures
um pouco a norte daqui. Eu gostava de ver o castelo, ou o que sobrou dele, a
partir do mar, como Hooke deve ter olhado para ele quando o viu pela primeira
vez, à medida que se aproximava». In Susanna Kearsley, O Segredo de Sophia,
Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-944-5.
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