Cortesia
de wikipedia e jdact
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O Amor Cortês pode ser apontado como um momento inovador na complexa história
humana dos modos de sentir e de suas formas de expressão. A sua emergência
através da poesia trovadoresca deixou tão indeléveis marcas no repertório
ocidental de possibilidades estéticas de expressar e vivenciar o amor, e na
própria imaginação do homem ocidental pertencente à temática amorosa, que frequentemente
se aponta o despontar dos trovadores medievais no século XII como o instante
mesmo da invenção do amor romântico no Ocidente. Em que consistia, antes de
mais nada, este Amor Cortês que rapidamente se difundiu na Europa a partir das
cantigas dos trovadores do sul da França, das suas próprias vidas, ou
dos romances que tiveram na história de Tristão e Isolda o seu exemplo mais
extremado e no Lancelote de Chrétien de Troyes a sua exposição mais
sistemática? Antes de tudo, conheçamos as personagens fundamentais do Amor Cortês.
No centro de tudo, um Amador que se entrega de corpo e alma a uma paixão
incontrolável e ao dedicado serviço amoroso da mulher amada. E ela: uma Dama
que, aos olhos do amante apaixonado, é a mais bela e perfeita de todas as
mulheres. Uma Dama, deveremos acrescentar, que é em geral inatingível, ou por
estar espacialmente inacessível (talvez por morar num país distante) ou, quem
sabe neste caso um obstáculo ainda mais intransponível, por ser socialmente inacessível.
Nesta última situação aparece eventualmente um terceiro personagem: o marido
da dama, já que com alguma frequência a mulher eleita pelo trovador
provençal ou pelo herói do romance cortês é casada ou comprometida (via de
regra com um poderoso senhor feudal). Por fim, os personagens coadjuvantes: em
alguns casos um confidente da confiança do trovador apaixonado, e em
outros casos os delactores, os aduladores, os intrigantes,
os maledicentes da vida amorosa e os bisbilhoteiros, globalmente classificados
como losengiers pelas cantigas trovadorescas, que estão sempre prontos a
denunciar o caso de amor ou a difamar os seus envolvidos. Envolvendo tudo, um
Amor tão extremado quanto ambíguo, trazendo no mesmo movimento uma
indisfarçável carga de erotização e uma dimensão idealizada, ao mesmo tempo em
que carrega a mistura dramática que faz com que este amor subtil tanto enobreça
e ensine aquele que ama, como o empurre tragicamente em direcção ao sofrimento
e até à morte. Completam o conjunto de sentimentos que o Amor Cortês envolve o desejo,
maior do que tudo no mundo, mas irrealizável sob pena de que se acabe o próprio
amor, e o perigo de que este amor seja descoberto, e que isto acarrete
no fim da relação amorosa ou abale a reputação da dama.
Todos
estes elementos habitam o plano da sensibilidade e, talvez pela primeira vez
com tal intensidade, ameaçam trazer o sentimento para um lugar destacado no
cenário medieval, acima mesmo da fé religiosa, da razão erudita, do
utilitarismo quotidiano. Conclamar uma autonomia dos sentimentos implica
naturalmente na possibilidade de uma nova proposta de leitura das relações
entre os dois sexos, relações que, do ponto de vista da cortesia, não deveriam
ser mais regidas exclusivamente pela força, pelo instinto, pelo interesse, pelo
acomodamento entediante. Não é de se estranhar que o Amor Cortês tenha
apresentado uma decisiva faceta anti-matrimonial, já que o casamento era
precisamente o território da sujeição do feminino pelo masculino, do
acomodamento do indivíduo aos interesses sociais e familiares, da tutela
religiosa através do sacramento. Daí o papel simbólico do marido ciumento,
traído, ou desprezado secretamente pela esposa em favor do amante cortês. Este
marido, entrincheirado de dentro do casamento oficial, representa o mundo da
ordem contra o qual se insurge a primazia dos sentimentos proposta pelo Amor
Cortês». In José D’Assunção Barros, Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês, Reflexões
historiográficas, 1995, revista Alethéia, UFG, Abril/Maio, 2008.
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