segunda-feira, 26 de março de 2018

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «… a sentença dada por fr. João fora ‘contra o direito e contra a Ordem’, pelo que manda ao prior do convento calatravenho anular a excomunhão lançada. É esta a última referência que temos de João Rodrigues Gouveia»

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A visita de 1346
«(…) Voltemos, então, à visita de 1346. Antes de mais, porém, importa apresentar a situação que nessa altura se vivia em Avis, tal como nos aparece plasmada nos documentos. Após a sua eleição, ocorrida em 1342 conforme acima referimos, João Rodrigues Pimentel terá nomeado, de acordo com os Estatutos da Ordem, um novo comendador-mor: João Rodrigues Gouveia. Este cavaleiro, juntamente com o celeireiro, o sacristão e o prior do convento, reunido o capítulo para esse efeito, deram em 1343, uma procuração de plenos poderes ao mestre para actuar em nome da Ordem. Entretanto, algo se passou que desagradou de sobremaneira a João Rodrigues Gouveia, que nos surge no capítulo de Calatrava, antes de Maio de 1346, já como antigo comendador-mor, juntamente com o anterior celeireiro e alguuns outros vossos freires a solicitar uma visita do mestre João Nunes ao convento português, solicitação que também terá sido feita pelo próprio João Rodrigues Pimentel, que, por seu turno, também se queixara de alguns cavaleiros. De facto, deveria haver, no seio da Ordem portuguesa, alguma contestação a João Rodrigues Pimentel.
Sabemos que este tinha retirado os bens a Fernão Rodrigues, comendador de Cabeço de Vide (teria sido nomeado outro?), que vai considerar como fogitivo e vagabundo. Por um documento um pouco posterior, sabemos que também João Rodrigues Gouveia (anterior comendador-mor) se diz perseguido pelo mestre de Avis. A visita de Calatrava era, portanto, necessária e urgente. E porque o mestre castelhano não podia então vir pessoalmente poer sosego em Avis, envia o comendador Pero Esteves em seu lugar. Acompanhemos, pois, essa visita.
Em fins de Maio de 1346, ou já mesmo durante o mês de Junho, dirigindo-se a Portugal, Pero Esteves escreve a Fernão Rodrigues, comendador de Cabeço de Vide, convocando-o para um capítulo em Avis. O encontro, segundo testemunho do próprio visitador, teve efectivamente lugar, mas à margem do capítulo de Avis, já que Fernão Rodrigues tinha tamanho medo do mestre Rodrigues Pimentel que não ousava comparecer perante ele. Além disso, o (ex?)-comendador dizia também, em sua defesa, que tinha uma carta régia que o reconhecia com direito às propriedades de Vide que o mestre lhe filhara. Tendo em conta os argumentos apresentados, Pero Esteves dispensou Fernão Rodrigues da presença no capítulo que se realizaria em Avis.
A 27 de Agosto, João Rodrigues Pimentel, em reunião capitular, anuncia a todos os presentes que o prior da Ordem de Avis, frei Gil, tinha lançado pena de excomunhão sobre Fernão Rodrigues, porque andava desobediente demaiis e porque fora citado três vezes para comparecer no convento e não o fizera. Além disto, o mestre pede ao cabido que pronuncie sobre Fernão Rodrigues a pena que a Ordem manda dar aos vagabundos revees. É então que o visitador intervém em defesa do comendador de Cabeço de Vide, dando notícia da entrevista que com ele tivera e da carta régia que lhe havia sido mostrada (e que acima referimos). Assim, como visitador, em nome de João Nunes, não tomava qualquer atitude contra Fernão Rodrigues, porque não queria ir contra uma determinação do rei de Portugal, a quem a Ordem devia obediência. Mas Pero Esteves sublinha igualmente que não queria interferir na gestão do mestre de Avis, que havia retirado a comenda da responsabilidade do dito freire. Resumindo, o capítulo acaba sem que esta questão ficasse resolvida.
Como também não terá tido fim a oposição do anterior comendador-mor, João Rodrigues Gouveia, ao mestre e que o levara a pedir a intervenção de João Nunes. Não sabemos exactamente o que opunha estes dois cavaleiros. João R. Gouveia terá recebido a convocatória para estar presente no convento de Avis aquando da visita do castelhano, mas Pero Esteves (visitador) aconselhou-o a não comparecer. Só após alguma insistência deste, o antigo comendador-mor terá desistido de ir pessoalmente a Avis enfrentar os companhons que y el maestre de Avis tinha juntados" e "mostrar el mal e agravios que dezia que a el e a la dicha orden feziera. Não vislumbramos a razão pela qual a atitude do visitador foi diferente relativamente aos dois contestatários de João Rodrigues Pimentel. Mais tarde, respondendo a uma interpelação do mestre de Calatrava, Pero Esteves irá dizer que quis evitar escandalo no capítulo de Avis. O certo é que esta ausência redundou numa sentença de excomunhão que o próprio monge cisterciense que acompanhava o visitador (frei João, abade. de S. Paulo de Almaziva) impetrou sobre o faltoso. Porque não chegou até nós esta carta (ou a parte da acta do capítulo que versou sobre esta matéria), desconhecemos o motivo de tal castigo, mas é possível que Fernão Rodrigues Pimentel a tenha solicitado em plena reunião capitular (num momento posterior ao que se refere ao problema do comendador de Vide, e que não ficou plasmado no mesmo pergaminho). A João Rodrigues Gouveia só restava novo recurso a Calatrava.
Reunido o capítulo da milícia castelhana no castelo de Marcos, a 14 de Setembro, o mestre João Nunes considera que a sentença dada por fr. João fora contra o direito e contra a Ordem, pelo que manda ao prior do convento calatravenho anular a excomunhão lançada. É esta a última referência que temos de João Rodrigues Gouveia». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT