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A
visita de 1346
«(…)
Voltemos, então, à visita de 1346. Antes de mais, porém, importa apresentar a
situação que nessa altura se vivia em Avis, tal como nos aparece plasmada nos
documentos. Após a sua eleição, ocorrida em 1342 conforme acima referimos, João
Rodrigues Pimentel terá nomeado, de acordo com os Estatutos da Ordem, um novo comendador-mor:
João Rodrigues Gouveia. Este cavaleiro, juntamente com o celeireiro, o
sacristão e o prior do convento, reunido o capítulo para esse efeito, deram em
1343, uma procuração de plenos poderes ao mestre para actuar em nome da Ordem.
Entretanto, algo se passou que desagradou de sobremaneira a João Rodrigues
Gouveia, que nos surge no capítulo de Calatrava, antes de Maio de 1346, já como
antigo comendador-mor, juntamente com o anterior celeireiro e alguuns outros vossos freires a
solicitar uma visita do mestre João Nunes ao convento português, solicitação
que também terá sido feita pelo próprio João Rodrigues Pimentel, que, por seu turno,
também se queixara de alguns cavaleiros. De facto, deveria haver, no seio da
Ordem portuguesa, alguma contestação a João Rodrigues Pimentel.
Sabemos que este tinha retirado
os bens a Fernão Rodrigues, comendador de Cabeço de Vide (teria sido nomeado
outro?), que vai considerar como fogitivo
e vagabundo. Por um documento um pouco posterior, sabemos que
também João Rodrigues Gouveia (anterior comendador-mor) se diz perseguido pelo mestre
de Avis. A visita de Calatrava era, portanto, necessária e urgente. E porque o mestre
castelhano não podia então vir pessoalmente poer sosego em Avis, envia o comendador Pero Esteves
em seu lugar. Acompanhemos, pois, essa visita.
Em fins de Maio de 1346, ou já
mesmo durante o mês de Junho, dirigindo-se a Portugal, Pero Esteves escreve a
Fernão Rodrigues, comendador de Cabeço de Vide, convocando-o para um capítulo
em Avis. O encontro, segundo testemunho do próprio visitador, teve
efectivamente lugar, mas à margem do capítulo de Avis, já que Fernão Rodrigues
tinha tamanho medo do
mestre Rodrigues Pimentel que não ousava comparecer perante ele. Além disso, o
(ex?)-comendador dizia também, em sua defesa, que tinha uma carta régia que o
reconhecia com direito às propriedades de Vide
que o mestre lhe filhara. Tendo em conta os argumentos apresentados, Pero
Esteves dispensou Fernão Rodrigues da presença no capítulo que se realizaria em
Avis.
A 27 de Agosto, João Rodrigues
Pimentel, em reunião capitular, anuncia a todos os presentes que o prior da
Ordem de Avis, frei Gil, tinha lançado pena de excomunhão sobre Fernão Rodrigues,
porque andava desobediente demaiis
e porque fora citado três vezes para comparecer no convento e não o fizera.
Além disto, o mestre pede ao cabido que pronuncie sobre Fernão Rodrigues a pena que a Ordem manda dar aos vagabundos
revees. É então que o visitador intervém em defesa do
comendador de Cabeço de Vide, dando notícia da entrevista que com ele tivera e
da carta régia que lhe havia sido mostrada (e que acima referimos). Assim, como
visitador, em nome de João Nunes, não tomava qualquer atitude contra Fernão
Rodrigues, porque não queria ir contra uma determinação do rei de Portugal, a
quem a Ordem devia obediência. Mas Pero Esteves sublinha igualmente que não
queria interferir na gestão do mestre de Avis, que havia retirado a comenda da
responsabilidade do dito freire. Resumindo, o capítulo acaba sem que esta
questão ficasse resolvida.
Como
também não terá tido fim a oposição do anterior comendador-mor, João Rodrigues
Gouveia, ao mestre e que o levara a pedir a intervenção de João Nunes. Não
sabemos exactamente o que opunha estes dois cavaleiros. João R. Gouveia terá
recebido a convocatória para estar presente no convento de Avis aquando da
visita do castelhano, mas Pero Esteves (visitador) aconselhou-o a não comparecer.
Só após alguma insistência deste, o antigo comendador-mor terá desistido de ir
pessoalmente a Avis enfrentar os companhons
que y el maestre de Avis tinha juntados" e "mostrar el mal e agravios que dezia que a el e a la dicha orden
feziera. Não vislumbramos
a razão pela qual a atitude do visitador foi diferente relativamente aos dois
contestatários de João Rodrigues Pimentel. Mais tarde, respondendo a uma
interpelação do mestre de Calatrava, Pero Esteves irá dizer que quis evitar escandalo no capítulo de
Avis. O certo é que esta ausência redundou numa sentença de excomunhão que o
próprio monge cisterciense que acompanhava o visitador (frei João, abade. de S.
Paulo de Almaziva) impetrou sobre o faltoso. Porque não chegou até nós esta
carta (ou a parte da acta do capítulo que versou sobre esta matéria),
desconhecemos o motivo de tal castigo, mas é possível que Fernão Rodrigues
Pimentel a tenha solicitado em plena reunião capitular (num momento posterior
ao que se refere ao problema do comendador de Vide, e que não ficou plasmado no mesmo pergaminho). A João
Rodrigues Gouveia só restava novo recurso a Calatrava.
Reunido
o capítulo da milícia castelhana no castelo de Marcos, a 14 de Setembro, o
mestre João Nunes considera que a sentença dada por fr. João fora contra o direito e contra a Ordem,
pelo que manda ao prior do convento calatravenho anular a excomunhão
lançada. É esta a última referência que temos de João Rodrigues Gouveia». In
Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV,
Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.
Cortesia
da Faculdade de Letras do Porto/JDACT