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«(…) Existem várias
possibilidades sobre a heresia do casamento de Jesus. Talvez ela seja autêntica
e tenha sobrevivido porque os que a defendiam não apenas acreditavam nela como sabiam que era verdadeira (por
exemplo, por meio de provas como o célebre tesouro dos templários: sob a
forma de documentos ou artefactos genuínos). Ou talvez ela tenha sido disseminada
na tentativa de devolver o princípio do feminino perdido ao dogma cristão, que estava
claramente desequilibrado em favor do masculino. Essa restauração do equilíbrio
dos opostos, base da filosofia clássica, pode ter sido considerada necessária
para o bem-estar da civilização. O culto do feminino floresceu em Provença no
século XII. Tentativas confluentes dos cabalistas judeus de resgatar a Senhora Matronit
como a esposa perdida de Jeová, na mitologia judaica, comprovam o facto de que
esse resgate do feminino era visto como importante, ou mesmo vital. Um
movimento semelhante acontece hoje no mundo ocidental, revelando-se em estudos
junguianos na área da psicologia, nos conceitos asiáticos do yin/yang e
na consciência da deusa. Também são muito significativas as numerosas aparições
recentes da Virgem Maria, a única imagem de deusa permitida pela cristandade. E
as suas imagens têm sido vistas derramando lágrimas em igrejas cristãs por todo
o mundo. Esses fenómenos vêm ganhando destaque na comunicação social nos
últimos nos. Até as pedras choram! O feminino desprezado e esquecido está
suplicando para ser reconhecido e abraçado por nossa era moderna.
A perda do feminino teve um
impacto desastroso na nossa cultura. Masculino e feminino estão profundamente
feridos neste início do terceiro milénio. As dádivas do feminino não foram
aceitas ou apreciadas por completo. Enquanto isso, o masculino, frustrado pela incapacidade
de harmonizar as suas energias com um feminino bem desenvolvido, continua a liderar
o mundo empunhando a espada, brandindo armas irresponsavelmente, atacando com violência
e destruição.
No mundo antigo, o equilíbrio
entre as energias opostas era compreendido e respeitado. Mas, no mundo moderno,
as atitudes e os atributos masculinos têm dominado. A adoração do poder e da
glória do princípio masculino/solar está a poucos passos da adoração do filho:
um culto que, com frequência, produz um homem mimado e imaturo- zangado, frustrado,
entediado e, muitas vezes, perigoso. Sem poder integrar-se à sua outra metade,
o masculino se exaure. O resultado final do princípio feminino desvalorizado
não é apenas a poluição ambiental, o hedonismo ou a criminalidade desenfreada.
O resultado fundamental é o holocausto. Este livro é uma exploração da heresia
do Santo Graal e um argumento a favor do resgate da mulher de Jesus, com base
em importantes provas circunstanciais. É também uma busca do significado da
Noiva Perdida na psique humana, na esperança de que seu retorno ao nosso
paradigma de completude possa nos ajudar a restaurar a terra infértil. Aqui,
registei os resultados da minha busca pessoal pela Noiva Perdida na história
cristã. Procurei explicar de que modo ela foi esquecida e como esse facto tem
sido devastador para a civilização ocidental.
Tentei, ainda, visualizar o que
aconteceria se conseguíssemos restituí-la ao paradigma. Os anos que passei
pesquisando acarretaram consequências. Levei o assunto a sério. Doutrinas nas
quais acreditei pela fé tiveram que ser arrancadas e descartadas para que novas
crenças fossem plantadas e cuidadas até formarem raízes. Toda a estrutura da
Igreja Católica da minha infância precisou ser desmontada para deixar à mostra
a perigosa falha existente em suas fundações, permitindo que um novo sistema de
crenças pudesse ser cuidadosamente reconstruído quando a fissura tivesse se
fechado. Esse processo durou muitos anos. Em algum momento, desisti de ser apologista
da doutrina e embarquei na busca pela verdade. Estou dolorosamente consciente
de que minhas conclusões não são ortodoxas, mas isso não significa que não
sejam verdadeiras. Muitas pessoas estão se tornando cada vez mais conscientes
do abismo que separa as descobertas dos modernos estudiosos da Bíblia da versão
de cristandade ensinada nos púlpitos das igrejas.
Miriam
do Jardim
Ela sentiu um calafrio ao
enrolar-se no manto e cobrir o corpo delgado. O tempo estava frio. O sol
flamejante já se havia escondido além do muro do jardim, atrás do Templo do
Monte Sião. As fragrâncias no ar a acalentavam, suavizando seus nervos
retesados, enquanto permanecia sentada no banco de pedra sob a amendoeira. O
brilho prateado do luar lançava sombras na passagem que levava até ao portão.
Ela esfregou os dedos dos pés na areia macia, formando pequeninos montes de
terra seca. Um leve barulho de passos assustou-a. Tentou distinguir de quem era
o vulto cujo rosto estava na sombra e que tinha o corpo coberto por um manto
escuro. O homem a observou em silêncio por alguns instantes. Como um
passarinho. Tão vulnerável, pensou ele. O homem falou num sussurro, tentando
não assustá-la». In Margaret Starbird, Maria Madalena e o Santo Graal, Mulher do Vaso de
Alabastro, Quetzal Editores, colecção Referências, ISBN
978-972-564-624-3.
Cortesia
deSextante/QuetzalE/JDACT