«Entre
os séculos XII e XIV, num contexto de desenvolvimento do trovadorismo medieval
que inclui dimensões que vão do reflorescimento urbano à expansão feudal,
prosperaram em reinos que iam desde a França até aos reinos ibéricos de
Portugal e Castela movimentos trovadorescos extremamente significativos que
continham entre si similitudes e contrastes. O objecto deste artigo será
examinar as relações do trovadorismo medieval com o Amor Cortês, analisando o
surgimento de um novo padrão de sensibilidade entre os poetas medievais.
Os
trovadores medievais ajudaram certamente a escrever um dos capítulos mais
fascinantes da História da Cultura na Idade Média. De certo modo, estes músicos-poetas
estão no centro de um novo modo de pensar e de sentir, e é isto o que habilita
os historiadores de hoje a avaliarem a sua contribuição muito específica para a
cultura medieval. Os próprios trovadores costumavam ver a si mesmos como
portadores de um novo tipo de ciência: uma Gaia Ciência, isto é, uma ciência
alegre, ou, se assim quisermos, uma ciência gaiata, ao mesmo tempo
articulada ao mundo e capaz de transcendê-lo. Mas é verdade que esta gaia ciência,
expressão de um aprendizado em que o trovador tornava-se um mestre da arte de
viver intensamente, e de transformar a sua própria vida em obra de arte, também
podia implicar em sofrimento. O Amor Cortês, criação original dos trovadores
que foi tão bem traduzida pelas cantigas trovadorescas de amor e pelos romances
corteses do período medieval, não raro podia levar ao desespero, à paixão
desmedida, ao desejo de morte diante da impossibilidade de realização da união
com a mulher amada. Eis aqui índices extremamente significativos que denotam o
surgimento de um novo modelo de sensibilidade amorosa e de atitude estética
diante da vida. Mas antes de abordar este ponto, convém situar os trovadores
medievais no seu tempo, compreender esta designação que por vezes é tão
ambígua, entender o espaço social em que eles se movimentavam. Num sentido mais
amplo, pode-se chamar de trovadores a todos os poetas-cantores que
percorriam a Europa nos tempos medievais, levando a sua poesia e o seu modo de
vida a ambientes tão diversificados como a praça pública, as universidades ou
as cortes principescas e aristocráticas. Nesta acepção mais ampla, a designação
trovador termina por abarcar realidades tão diferenciadas como a dos skops
anglo-saxônicos desde o século IV, a dos escaldos islandeses e noruegueses a
partir do século X, a dos trovadores cortesãos do século XII em diante, a dos
goliardos desde o século IX, a dos jograis um pouco por toda a Idade Média. E,
mesmo tomando mais especificamente um destes tipos, por vezes recaímos em novas
designações que são igualmente ambíguas. A designação jogral, por exemplo, é
uma das mais vagas, já que por vezes se refere não apenas ao músico-poeta, mas
também ao artista saltimbanco, ao histrião, ao malabarista, e a tantos outros
profissionais do espectáculo que percorriam o mundo medieval oferecendo a sua
arte e os seus serviços.
Compreender
a diversidade trovadoresca nestes diversos tempos e sociedades implica na
percepção de que os vários tipos de poetas-cantores podiam desempenhar funções
diversas nas sociedades em que circulavam. Uns especializavam-se em difundir em
verso mitologias povoadas por deuses guerreiros, como é o caso dos eddas
noruegueses à época das invasões nórdicas contra o mundo românico; outros eram
contratados para louvar dinastias reinantes, como ocorreu entre os reis e
chefes guerreiros islandeses que mantinham nas suas cortes grandes círculos de
poetas profissionais, os escaldos, para o seu próprio louvor e
enaltecimento, e na verdade para a difusão de suas gestas num círculo social
mais amplo. Havia os poetas-cantores que se dedicavam à poesia sagrada, como a
dos trovadores que se empenharam em produzir cantos para o enaltecimento da
Virgem Maria; e, num outro extremo, havia os que resolveram dedicar a vida a
uma alegre vagabundagem, como os goliardos que desde o século IX
difundiam canções de enaltecimento à vida mundana e sátiras contra uma
sociedade que desprezavam. Outros, por fim, especializaram-se nas cantigas de
amor, e inventaram mesmo uma nova forma de Amor, como foi o caso dos trovadores
cortesãos que começaram a frequentar os palácios medievais a partir do século
XII». In José D’Assunção Barros, Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês, Reflexões
historiográficas, 1995, revista Alethéia, UFG, Abril/Maio, 2008
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