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A
Via Láctea
«(…) Um monge eremita chamado
Pelágio começou a ver luzes que vinham das estrelas e iluminavam mais
intensamente e de modo anormal um determinado lugar perto da localidade de Iria
Flávia, no norte da Espanha. Enquanto via essas luzes, Pelágio ouvia músicas
angelicais. Não teve coragem de ir até lá sozinho, mas informou o bispo
Teodorico, que passou a ter revelações em sonhos de que, no local iluminado
pelas estrelas, estava enterrado o apóstolo São Tiago. Parece que essas luzes
foram também observadas por outros pastores e daí o lugar passou a se chamar campus stellarum, ou campo
de estrelas, de onde alguns concluem que se originou a palavra compostela. Há referências
a outras origens para esse nome, inclusive de que se trata de um topónimo de compositum tellus, ou
monte de terra, em referência aos montículos que rodeavam o sepulcro. O bispo
Teodorico mandou fazer pesquisas e escavações no local e acabaram descobrindo
uma pequena capela com um sepulcro e um oratório. Ao lado da pequena capela
havia dois túmulos menores. A descoberta comoveu todo o mundo ocidental.
Multidões começaram a se deslocar em direcção à Península Ibérica para venerar
o apóstolo, e assim foi-se definindo essa instituição que passou a ser chamada
de Caminho de Santiago.
Mas, quem foi São Tiago?
Entre os doze apóstolos, havia
dois com o nome de Tiago. Existia Tiago Menor, filho de Alfeu, e Tiago Maior,
irmão de São João, o Evangelista. Tiago Maior, ou São Tiago, depois da morte de
Cristo, chegou até a Península Ibérica, mas não tendo muito êxito na sua
evangelização, retornou à Palestina, onde foi decapitado a mando de Herodes
Agripa I, no ano 42 da era cristã. A intenção de Herodes não era apenas conter
a nova religião, mas agradar a romanos e judeus, e mandou prender São Tiago e
São Pedro. Pedro conseguiu fugir da prisão, com a ajuda de um anjo, que não
conseguiu libertar os dois, e Tiago foi morto. Seu corpo foi jogado num terreno
baldio, fora da cidade de Jerusalém, onde seria devorado pelos cães e serviria
de exemplo para o povo. Dois discípulos de São Tiago, Atanásio e Teodoro,
conseguiram recolher o corpo e o levaram através do Mediterrâneo até
Finisterre, na Galícia, mais precisamente em Iria Flávia, na desembocadura do
Rio Ulla, depois de escaparem milagrosamente da perseguição dos soldados de
Herodes.
Esses factos ocorreram no século
I, e a descoberta do túmulo no final do primeiro milénio, quando o cristianismo
passava por sérias dúvidas, modificou a história ocidental. Tendo chegado à
conclusão de que as estrelas iluminavam o túmulo do apóstolo, o bispo Teodorico
informou o facto ao rei Alfonso II, o Casto. No ano de 834, juntamente com a
família real e toda a sua corte, o rei dirigiu-se de imediato para lá, onde
mandou construir uma igreja e declarou São Tiago patrono do seu reino. Foi
assim lançada a pedra fundamental de Compostela, com a consagração de um
movimento de centenas de milhões, talvez bilhões de pessoas, através dos séculos,
como a história nunca tinha visto e não mais viu. A Europa comovida começou a deslocar-se
em visita ao túmulo do apóstolo e o Caminho foi-se definindo até receber o seu
primeiro guia no ano de 1140, conhecido como Código Calixtino, escrito
pelo abade francês Aymeric Picaud. Na verdade, o Código Calixtino é o quinto
livro do Líber Sancti Jacobi
(Livro de São Tiago), escrito por várias pessoas, mas que leva o nome de
Calixtino, em homenagem ao papa Calixto II.
Maurício
não queria perder esse espírito de misticismo histórico ao iniciar a grande
jornada que tomaria um mês de meditação, visitas a mosteiros, catedrais
seculares ricas em artes góticas e românicas, lugares lendários e monumentos,
enquanto se deliciaria com o amanhecer ou o entardecer bucólico dos campos. Não
podia deixar-se levar por preocupações que não lhe diziam respeito, e procurou
viver o espírito da peregrinação. Devido às guerras, às perseguições religiosas
e ao materialismo do século XX, o Caminho foi perdendo importância e os sinais
que orientavam os peregrinos desapareceram, até que nos anos 1980 o Pároco de O
Cebreiro, Elias Valina Sampedro, sinalizou-o com flechas amarelas, que ainda
são mantidas e representam a mais segura indicação para o peregrino. Mas essas
flechas não são como as sinalizações indiferentes do trânsito. Elas têm vida
própria e, depois de alguns dias vendo-as em pedras, árvores, arbustos, muros,
casas, latões de lixo, esquinas e encruzilhadas e por elas guiando-se, o peregrino
a elas se apega. São fiéis companheiras que trazem emoções e despertam
sensações de esperança, como a que sentiu ao ver uma delas apontando para
Burguete, um agradável vilarejo três quilómetros adiante». In AJ Barros, O Enigma de
Compostela, Luz da Serra, Geração Editorial, 2009, ISBN 978-856-150-127-3.
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