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O
nascimento da camaleoa
«(…) Do outro lado, havia os que,
como o inspector-geral militar, Pedro Caldeira Brandt, endossavam a violência
pura e simples. Este poderoso senhor de engenho, além de conservador, era adversário do avô de Luísa,
Pedro Alexandrino Souza Portugal. Os dois chegaram às vias de facto. Portugal
ousou insultar publicamente Brandt e sofreu corte marcial. Foi absolvido por
influência dos parentes, inclusive do genro, que já brilhava nos salões e na
arena política baiana. Houve, portanto, duas razões para que Luísa se alinhasse
com o pensamento abolicionista: as querelas familiares contra os conservadores
e os princípios de Domingos. O prolongamento da infância entre o engenho São João
e a cidade de Salvador foi, contudo, abortado pela decisão do pai de ir para a
Europa. No pano de fundo se desenhava uma participação cada vez maior de
Domingos Borges Barros nas tensões que opunham brasileiros e portugueses. Factos
importantes se acumularam naqueles últimos anos. A revolução liberal do Porto,
em Agosto de 1820, criou uma monarquia constitucional em Portugal e estabeleceu
as Cortes, o parlamento português, como órgão supremo da administração da metrópole
e de seus domínios. Foram as Cortes que solicitaram o retorno de João VI à Europa
em 1821, deixando seu filho Pedro na função de príncipe regente. Inicialmente,
a revolução criou a expectativa de que o Brasil seria agraciado com um grau
maior de autonomia.
Em Setembro de 1821, a Bahia
elegeu nove deputados para representá-la nas Cortes, entre eles Domingos. Ele
saiu daqui levando consigo uma agenda revolucionária: a emancipação política da
mulher e a libertação dos escravos. Em Janeiro de 1822, foi eleita uma nova
junta governativa com representantes das classes ricas da província, do clero,
da magistratura e dos militares. Mas uma carta régia, chegada um mês depois,
determinava que o comandante de armas fosse um português, o que foi considerado
um retrocesso inadmissível. Enquanto a junta debatia a legitimidade da nomeação,
a população da Bahia acentuava a sua divisão em campos opostos: os que estavam
a favor de Portugal e os que estavam contra.
Do
lado português, contavam-se cerca de 1.700 homens armados e os próprios imigrados
que controlavam a quase totalidade do comércio na província. O lado brasileiro
era bem mais variado. Reunia militares, o povo pobre da cidade, profissionais
liberais, a elite representada pelos senhores de engenho e uns poucos
comerciantes. Existia ainda um terceiro grupo: o dos negros, escravos, forros e
livres. Não havia objectivo definido ou unidade estratégica entre os brasileiros.
Havia desde os que queriam a conciliação da colónia com a metrópole em bases
tradicionais até os que propunham a independência e a instalação de uma república».
In
Mary del Priore, Condessa de Barral, A Paixão do imperador, Editora Objetiva,
2008, ISBN 978-857-302-923-9.
Cortesia
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