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O
pedido da Rainha
«(…) Com ar ameaçador, encarou Francisco:
este ofício é serviço para toda a vida. Só termina com a morte. Espero que não a
queiras apressar. Assustado, distraído pelo movimento da orelha do Melo, Francisco
aceitou a mudança de seu destino. Vai. E prepara o teu fato. Partes amanhã para
Lisboa, com Fernão Pires e o Heitor. Lá aguardas a minha chegada. Assim que o
correio saiu, um criado entrou na sala. Vigia-o, ordenou Vasco.
O Melo passou o resto da tarde a ler
as mensagens. Continuavam as negociações a propósito do casamento do senhor dom
Dinis, irmão do duque de Bragança, e a rainha Isabel não lhe queria dar noiva do
estatuto pretendido por el-rei Manuel I. enquanto cofiava uma sobrancelha,
Vasco suspirou ao receber nova confirmação de que os castelhanos não
desconfiavam da paragem da esquadra de Pedro Álvares em terras do outro lado do
oceano, e a armada de Gonçalo Coelho, que seguira para essas mesmas terras em Abril,
tarnbém não dera nas vistas; os portugueses podiam explorar o território recém-descoberto
sem obedecer aos trâmites do Tratado de Tordesilhas, que obrigava à organização
de uma armada luso-castelhana para reconhecer a região por onde passava a linha
divisória das zonas de conquista das duas coroas. A revelação da descoberta
estava por dias, pois o primeiro navio da armada da Índia chegara a Lisboa no último
São João, e além das notícias sobre os bons negócios realizados e sobre a má
vontade do samorim de Calecut, a Anunciada trouxera também as aves garridas
da Terra de Vera Cruz. A notícia da descoberta já devia, por isso, ter chegado
aos ouvidos da rainha de Castela, mas o rei Manuel I procurava ganhar mais
algum tempo, e fora decidido que Isabel e Fernando só seriam notificados oficialmente
depois da chegada do capitão-mor da armada.
Vasco
apercebeu-se de que os Castelhanos também estavam a par das movimentações d'el-rei
Henrique de Inglaterra para ganhar novos domínios no mar oceano. Embora os
assuntos do Oriente ainda estivessem inseguros, urgia resolver esta disputa a
ocidente, onde os Castelhanos tanto eram rivais como podiam ser aliados, pois o
Túdor era um problema que afectava ambas as coroas hispânicas. O resto eram
miudezas sobre as intrigas na corte castelhana, mas seu espírito alvoroçou-se
quando olhou de novo para a missiva vinda de Mérida. Chamou um escudeiro e
entregou-lhe um escrito. Entrega-o ao anadel.
Depois,
ceou e passou horas a olhar atentamente para um mapa da região de Mérida. Por
vezes suspirava, algumas vezes arregalou um olho ou piscou o outro, e passou um
bom bocado tremendo uma perna; o nariz, por sua vez, nunca parou, Vasco Melo
era o chefe dos espiões d'el-rei Manuel I. Amigo de infância do monarca, entrara
com mais onze amigos numa irmandade inspirada nas lendas da Távola Redonda,
quando ninguém suspeitava que o irmão mais novo do duque de Viseu viria a ser
rei de Portugal. A irmandade persistira e, naqueles dias, Vasco podia tratar
por tu o monarca, quando estavam a sós, ou junto com os outros membros da
irmandade de Moura. Cavaleiro incansável, Vasco falava diversas línguas, o que
lhe fora estimulado desde pequenino, pois sua mãe, a flamenga Erika, sempre
conversara com ele em sua língua. Seu pai, Lançarote Melo, perecera na batalha
travada junto a Mérida, em 1479, durante a Guerra de Sucessão de Castela. Sua
mãe morrera poucos dias depois de receber a triste notícia, e Vasco crescera
protegido por dona Beatriz, duquesa de Viseu, e por Leonel de Ataíde, seu
colaço». In João Paulo Oliveira Costa, O Cavaleiro de Olivença, Círculo de
Leitores, Temas e Debates, 2012, ISBN 978-989-644-184-5.
Cortesia
de CL/TDebates/JDACT