sábado, 21 de março de 2020

A Alma Secreta de Portugal. Paulo A. Loução. «Pode talvez dizer-se que a Seara dá origem àquilo que é o Partido Socialista de hoje em dia, constituindo assim o elo de ligação entre o Partido acutal, fundado nos anos setenta…»

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As três colunas da Cultura Portuguesa
Da Geração de 70 à Renascença Portuguesa
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Porém, ao mesmo tempo, isto é inconsequente, porque se há um ideólogo, antes do Salazar, para o Estado Novo é o António Sardinha. Salazar era um monárquico e um monárquico de inspiração integralista, que nunca escondeu as suas leituras e as suas primeiras simpatias. A matriz ideológica e cultural de Salazar é o Integralismo Lusitano. Agora é preciso ter em atenção que os quarenta anos do salazarismo são complexos e muitos dos integralistas vão-se incompatibilizar com Salazar e com o regime, e nem sempre por razões de ordem pessoal.
O Integralismo Lusitano dura até aos anos sessenta ou setenta; não me parece que se possa falar hoje, com propriedade, em pensamento integralista. Falta agora falar da segunda braçada, a da esquerda, a da Seara Nova.

Seara nova, a coluna da esquerda
Choca-me muito nos governos de esquerda a incapacidade que têm para sair do materialismo absurdo. In Maria João Pires

ACF - Esta segunda braçada é hoje muito mais importante; nasceu duma divergência directa da Renascença Portuguesa. O António Sérgio e o Raul Proença, vindos da Renascença, e arrastando com eles o Jaime Cortesão e o Augusto Casimiro, vão fundar, em 1921, a Seara Nova. Surge assim uma corrente de pensamento que, nascendo logo em 1912, dentro da própria Renascença, com os textos de Proença e Sérgio, se vai depois autonomizar como parcela, sobrevivendo ao próprio desaparecimento da sociedade-mãe, a Renascença, em 1932. Ela caracteriza-se, no essencial, por um regresso às teses mais duras da geração de 70, em especial às do Antero das Causas da Decadência, que foi uma das palestras que ele fez no Casino do Chiado, deixando de lado toda a matização ou graduação crítica que a geração de 90 fez dessas teses. Essa corrente engrossará muito, por reacção ao Estado Novo, e sobretudo à sua fachada propagandística, transformando-se na principal corrente oposionista não-comunista. Pode talvez dizer-se que a Seara dá origem àquilo que é o Partido Socialista de hoje em dia, constituindo assim o elo de ligação entre o Partido acutal, fundado nos anos setenta, e o do tempo de Antero e José Fontana. O Mário Soares é (era) um colaborador da revista e o seu mestre é o António Sérgio, não o Agostinho da Silva. Por muito que este tenha gravitado, em certa época, na órbita do racionalismo francês de Sérgio, Agostinho da Silva nunca acreditou piamente nas ideias de industrialização, urbanização e escolarização. Creio que foi num Governo do Partido Socialista que se instituiu a nota de cinco mil escudos com o António Sérgio. O Sérgio transforma-se numa figura popular depois do 25 de Abril. Há bairros, escolas e ruas com o seu nome por todo o país. É pior que o Cândido dos Reis. Mas atenção, também há o risco de eu estar a distorcer alguma coisa, porque o Sérgio tem uma dívida muito grande para com o idealismo puro do Antero. O António Sérgio não tinha o mínimo espírito prático para governar, mas tinha ideias, as ideias que ele bebera em Antero e que ele soubera adaptar muito bem à situação do seu tempo. Sérgio foi assim uma espécie de ideólogo da nova democracia portuguesa. De qualquer modo, não se pode dizer que o Mário Soares quando governa depois do 25 de Abril isso corresponda àquilo que o António Sérgio tenha efectivamente pensado e até desejado para o país. A governação de Soares e a ideação de Sérgio estão porventura muito longe uma da outra.
Repare que o António Sardinha está na mesma posição em relação ao Oliveira Salazar. Aquilo que o integralismo pensa através da cabeça de António Sardinha não é provavelmente aquilo que o Salazar depois vai fazer no Estado Novo. O que eu vejo aqui, nesta história do Sardinha e do Sérgio, são duas colunas triunfantes; isto é que valeria a pena ter em atenção. No meio, impassível e sereno, corre o grande rio, o rio desatendido, que nunca triunfa, mas que ao mesmo tempo está sempre presente, a Renascença Portuguesa.
PAL - O António Sérgio, na sua polémica com Teixeira de Pascoaes, mostra ter muito pouca sensibilidade para a espiritualidade e afirma não existir um génio especificamente português; enquanto Pascoaes sustenta que alguém, se quiser compreender o país, tem que ir à História, para assim captar os seus arquétipos fundamentais. Neste célebre confronto, a seguinte citação do seu artigo parece-me merecedora de reflexão: a coluna central da cultura portuguesa, portanto a renascença do século XX, foi malignamente esmagada pelos violentos encontrões da direita e da esquerda que preferiram disputar entre si a seiva da árvore [portanto existe uma seiva da árvore que seria o passado, a experiência do passado, penso eu] mesmo com o risco de poderem secar as raízes a reconhecerem honestamente o tronco central donde brotaram. A leitura que faço do seu texto, é que existe uma seiva, que no fundo é o património do passado, e que aqueles que negam existir essa seiva são os que se estão a aproveitar da mesma..., seria cómico se não fosse trágico. No seu modo de ver, existe um génio especificamente português?» In Paulo Alexandre Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004, ISBN 972-860-515-3.

Cortesia de Ésquilo/JDACT