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As
três colunas da Cultura Portuguesa
Da
Geração de 70 à Renascença Portuguesa
«[…]
Porém, ao mesmo
tempo, isto é inconsequente, porque se há um ideólogo, antes do Salazar, para o
Estado Novo é o António Sardinha. Salazar era um monárquico e um monárquico de
inspiração integralista, que nunca escondeu as suas leituras e as suas
primeiras simpatias. A matriz ideológica e cultural de Salazar é o Integralismo
Lusitano. Agora é preciso ter em atenção que os quarenta anos do salazarismo
são complexos e muitos dos integralistas vão-se incompatibilizar com Salazar e
com o regime, e nem sempre por razões de ordem pessoal.
O Integralismo
Lusitano dura até aos anos sessenta ou setenta; não me parece que se possa
falar hoje, com propriedade, em pensamento integralista. Falta agora falar da
segunda braçada, a da esquerda, a da Seara
Nova.
Seara nova, a
coluna da esquerda
Choca-me muito nos governos de esquerda a incapacidade que têm para
sair do materialismo absurdo. In Maria João Pires
ACF - Esta
segunda braçada é hoje muito mais importante; nasceu duma divergência directa
da Renascença Portuguesa. O António Sérgio e o Raul Proença, vindos da
Renascença, e arrastando com eles o Jaime Cortesão e o Augusto Casimiro, vão
fundar, em 1921, a Seara Nova.
Surge assim uma corrente de pensamento que, nascendo logo em 1912, dentro
da própria Renascença, com os textos de Proença e Sérgio, se vai depois
autonomizar como parcela, sobrevivendo ao próprio desaparecimento da
sociedade-mãe, a Renascença, em 1932. Ela caracteriza-se, no essencial, por um
regresso às teses mais duras da geração de 70, em especial às do Antero das Causas da Decadência, que
foi uma das palestras que ele fez no Casino do Chiado, deixando de lado
toda a matização ou graduação crítica que a geração de 90 fez dessas teses.
Essa corrente engrossará muito, por reacção ao Estado Novo, e sobretudo à sua
fachada propagandística, transformando-se na principal corrente oposionista
não-comunista. Pode talvez dizer-se que a Seara dá origem àquilo que é o Partido Socialista de
hoje em dia, constituindo assim o elo de ligação entre o Partido acutal,
fundado nos anos setenta, e o do tempo de Antero e José Fontana. O Mário Soares
é (era) um colaborador da revista e o seu mestre é o António Sérgio, não o
Agostinho da Silva. Por muito que este tenha gravitado, em certa época, na
órbita do racionalismo francês de Sérgio, Agostinho da Silva nunca acreditou
piamente nas ideias de industrialização, urbanização e escolarização. Creio que
foi num Governo do Partido Socialista que se instituiu a nota de cinco mil
escudos com o António Sérgio. O Sérgio transforma-se numa figura popular depois
do 25 de Abril. Há bairros, escolas e ruas com o seu nome por todo o país. É
pior que o Cândido dos Reis. Mas atenção, também há o risco de eu estar a
distorcer alguma coisa, porque o Sérgio tem uma dívida muito grande para com o
idealismo puro do Antero. O António Sérgio não tinha o mínimo espírito prático
para governar, mas tinha ideias, as ideias que ele bebera em Antero e que ele
soubera adaptar muito bem à situação do seu tempo. Sérgio foi assim uma espécie
de ideólogo da nova democracia portuguesa. De qualquer modo, não se pode dizer
que o Mário Soares quando governa depois do 25 de Abril isso corresponda àquilo
que o António Sérgio tenha efectivamente pensado e até desejado para o país. A
governação de Soares e a ideação de Sérgio estão porventura muito longe uma da
outra.
Repare que o
António Sardinha está na mesma posição em relação ao Oliveira Salazar. Aquilo
que o integralismo pensa através da cabeça de António Sardinha não é
provavelmente aquilo que o Salazar depois vai fazer no Estado Novo. O que eu
vejo aqui, nesta história do Sardinha e do Sérgio, são duas colunas
triunfantes; isto é que valeria a pena ter em atenção. No meio, impassível e
sereno, corre o grande rio, o rio desatendido, que nunca triunfa, mas que ao
mesmo tempo está sempre presente, a Renascença Portuguesa.
PAL - O António Sérgio, na sua polémica com
Teixeira de Pascoaes, mostra ter muito pouca sensibilidade para a
espiritualidade e afirma não existir um génio especificamente português;
enquanto Pascoaes sustenta que alguém, se quiser compreender o país, tem que ir
à História, para assim captar os seus arquétipos fundamentais. Neste célebre
confronto, a seguinte citação do seu artigo parece-me merecedora de reflexão:
a coluna central da cultura portuguesa, portanto a renascença do século XX,
foi malignamente esmagada pelos violentos encontrões da direita e da esquerda
que preferiram disputar entre si a seiva da árvore [portanto existe uma seiva da árvore que seria o passado, a experiência
do passado, penso eu] mesmo com o risco de poderem secar as raízes a reconhecerem
honestamente o tronco central donde brotaram. A leitura que faço do seu texto, é que existe uma seiva, que no fundo é
o património do passado, e que aqueles que negam existir essa seiva são os que
se estão a aproveitar da mesma..., seria cómico se não fosse trágico. No seu
modo de ver, existe um génio especificamente português?» In
Paulo Alexandre Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições &
Multimédia, 2004, ISBN 972-860-515-3.
Cortesia de
Ésquilo/JDACT