quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A morte de D Ignez de Castro. Cantata. Bocage. «Lê, suspira, meu Bem, vendo hum composto de raras perfeições aniquilado por maõs do Crime, á Natureza opposto. Tu és cópia de Ignez, encanto amado, tu tens seu coraçaõ, tu tens seu rosto... Ah! Defendaõ-te os Ceos de ter seu Fado»

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«As filhas do Mondego a morte escura, longo tempo, chorando, memória». Luís de Camões

De acordo com o original

Aulina. Soneto
«Da miseranda Ignez o caso triste,
Nos tristes sons que a magoa desafina,
Envia o terno Elmano á terna Ulina,
Em cujos olhos seu prazer consiste.
Paixaõ que se a sentir naõ lhe resiste
Nem nos brutos certões Alma ferina,
Belleza funestou quasi divina,
De que a memoria em lagrimas existe.
Lê, suspira, meu Bem, vendo hum composto
De raras perfeições aniquilado
Por maõs do Crime, á Natureza opposto.
Tu és cópia de Ignez, encanto amado,
Tu tens seu coraçaõ, tu tens seu rosto...
Ah! Defendaõ-te os Ceos de ter seu Fado».


Cantata
«Longe do caro Esposo Ignez formosa
Na margem do Mondego,
As amorosas faces aljofrava
De mavioso pranto.
Os melindrosos, candidos Penhores
Do Thálamo furtivo,
Os Filhinhos gentís, imagem della,
No regaço da Mãi serenos gozaõ
O somno da Innocencia.
Côro subtil de alígeros Favónios,
Que os ares embrandece,
Ora enlevado afaga
Com as plumas azues o Par mimoso,
Ora, sôlto, inquieto

Em léda travessurá, em doce brinco,
Pela Amante saudosa,
Pelos tenros Meninos se reparte,
E com ténue murmúrio vai prender-se
Das aureas tranças nos anneis brilhantes.
Primavera louçãa, Quadra macia
Da ternuia, e das flores,
Que á bella Natureza o seio esmaltas,
Que no prazer de Amor ao Mundo apuras
O prazer da existencia,
Tu de Ignez lacrimosa

As mágoas naõ distrahes com teus encantos.
Debalde o Rouxinol, cantor de amores,
Nos versos naturaes os sons varía,
O límpido Mondego em vaõ serpêa
C'um benigno susurro, entre boninas
De lustroso matiz, almo perfume;
Em vaõ se doira o Sol de luz mais viva,
Os Ceos de mais pureza em vaõ se adornaõ
Por divertir-te, ó Castro:
Objectos de alegria Amor enjoaõ
Se Amor he desgraçado.
A meiga voz dos zephyros, do rio
Naõ te convida o somno:
Só de já fatigada
Na luta de amargosos pensamentos,
Cerras, misera, os olhos;
Maõ naõ ha para ti, para os Amantes
Somno plácido, e mudo;
Naõ dorme a fantasia, Amor naõ dorme:
Ou gratas illusões, ou negros sonhos
Assomando na idéa, espertaõ, rompem
O silencio da Morte».
[…]

In Manuel Maria Barbosa du Bocage e Luiz de Camões, A morte de D Ignez de Castro, Cantata, Bocage, The Project Gutenberg, Produção de Tiago Tejo, Cantata, A Morte de D. Ignez, 2007, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1824.

Cortesia de PGutenberg/JDACT