«Pessoas
que se enquadram cegamente no colectivo fazem de si mesmas meros objectos materiais,
anulando-se como sujeitos dotados de motivação própria. (...) Inclui-se ai a
postura de tratar os outros como massa amorfa. Uma democracia não deve apenas
funcionar, mas sobretudo trabalhar o seu conceito, e para isso exige pessoas
emancipadas. Só é possível imaginar a verdadeira democracia como uma sociedade
de emancipados. (...) A única concretização efectiva da emancipação consiste em
que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direcção orientem toda a sua
energia para que a educação seja uma educação para a contestação e para a
resistência. Estes são textos de intervenção viva, densos mas fluentes e
brilhantes, contrariando a imagem de um pensador de difícil acesso. A influência
de Adorno é crescente, como acontece em maior ou menor medida ao
conjunto chamado escola de Frankfurt. Nem poderia ser diferente: um pensador comprometido
com os problemas do trabalho social e da sociedade de classes (ao contrário de
Habermas), que não se encontra praticamente tolhido por uma forma social
concreta de sujeito histórico (partido etc.) não poderia ser mais actual em
tempos de queda do muro. Ainda mais
quando provem da cultura burguesa e
argumenta de modo intelectualmente inconteste para os seus adversários, apologistas
da inevitabilidade da formação social burguesa existente. Adorno ficou
conhecido, ao lado de Horkheimer, como autor da Dialéctica do Esclarecimento,
onde cunharia o conceito famoso de indústria
cultural, e que, vinte anos apos a primeira e acanhada edição em 1947, circularia em grande número de cópias-pirata
entre os estudantes e rebeldes de 68. Desde o fim da década de 50, Adorno
valorizaria progressivamente as suas intervenções públicas, em debates com os
estudantes radicais junto a Habermas, com os movimentos sociais e sindicatos,
com Oskar Negt, influenciando o Cinema Novo Alemao, com Alexander Kluge etc. No
seu pais assume grande notoriedade ainda antes de Marcuse, por artigos na
imprensa, em revistas e em debates pelo rádio. Nos textos ora em pauta, a
amizade com Hellmut Becker estimularia um conjunto de intervenções sobre a temática
educacional e formativa. Os próprios textos já fazem as vezes de experiência formativa em uma de suas
dimensões fundamentais, em que cabe ao leitor abrir-se a experiência do objecto
focalizado, experimentá-lo para tornar-se por esta via experiente e, por isso,
autónomo. Para isto impõe-se um contacto aberto. O que perturba, diria nosso autor, é a ruptura entre o que constitui objecto de elaboração e os sujeitos
vivos. Alguns textos são ensaios arrebatadores no seu ofício de
desencantamento: O que significa elaborar
o passado Educação após Auschwitz
são verdadeiras aulas de dialéctica. A
filosofia e os professores e Tabus
acerca do magistério são exemplos de reconstrução do sentido emancipatório
da formação cultural, dosando rebeldia e indignação em termos cultivados. Adorno
combate numa dupla frente: a um tempo contra a falsa cultura e a favor da cultura.
Intervém sem a empostação fria falsamente engessada, mas sem distanciar-se do
rigor, atentando minuciosamente a distinção das particularidades sem perder de vista
o todo em seu estilo ensaístico». In prefácio de Wolfgang Leo Maar.
Adorno
e a experiência formativa
A
educação não é necessariamente um factor de emancipação. Numa época em que
educação, ciência e tecnologia se apresentam, agora globalmente, conforme a moda em voga, como passaportes para um
mundo moderno conforme os ideais de
humanização, estas considerações de Adorno podem soar como um
melancólico desânimo. Na verdade significam exactamente o contrário: a
necessidade da crítica permanente. Após Auschwitz, é preciso elaborar o passado
e criticar o presente prejudicado, evitando que este perdure e, assim, que
aquele se repita. O filósofo alerta os educadores em relação ao deslumbramento
geral, e em particular o relativo à educação, que ameaça o conteúdo ético do
processo formativo em função de sua determinação social. Isto é, adverte contra
os efeitos negativos de um processo educacional pautado meramente numa
estratégia de esclarecimento da consciência, sem levar na devida conta a forma
social em que a educação se concretiza como apropriação de conhecimentos técnicos.
Parafraseando Adorno no último parágrafo da Minima Moralia,
quanto mais a educação procura se fechar ao seu condicionamento social, tanto
mais ela se converte em mera presa da situação social existente. É a situação
do sonho de uma humanidade que torna o
mundo humano, sonho que o próprio mundo sufoca com obstinação na humanidade!
O desenvolvimento da sociedade a partir da Ilustração, em que cabe
importante papel a educação e formação cultural, conduziu inexoravelmente à
barbárie. Ou, para dizer o mesmo pelo reverso: o próprio processo que impõe a
barbárie aos homens ao mesmo tempo constitui a base de sua sobrevivência. Eis aqui
o nó a ser desatado. A função da teoria crítica seria justamente analisar a
formação social em que isto se dá, revelando as raízes deste movimento, que não
são acidentais, e descobrindo as condições para interferir no seu rumo. O
essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir. Só assim seria
possível fixar alternativas históricas tendo como base a emancipação de todos
no sentido de se tornarem sujeitos reflectidos da história, aptos a interromper
a barbárie e realizar o conteúdo positivo, emancipatório, do movimento de
ilustração da razão. Esta, porém, seria uma tarefa que diz respeito a características
do objecto, da formação social no seu movimento, que são travadas pelo seu
encantamento, pelo seu feitiço. Por isto a educação, necessária para produzir a
situação vigente, parece impotente para transformá-la». In Theodor
W. Adorno, Educação e Emancipação, tradução de Wolfgang Leo Maar, Editora Paz e
Terra, Debates na Rádio Hessen, Agosto de 1969, Escritos, 1975, 1976, 1978,
Wipipédia, ISBN 978-857-753-117-2.
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