«Entre 490 e 479 a.C., a Grécia viveu
momentos cruciais, conhecidos como as Guerras
Medo-Persas, com repercussões que viriam a determinar não apenas a sua
História como a de toda a Europa. Um desses momentos decorreu precisamente em 490
a.C., aquando da chamada Primeira
Guerra Médica, numa batalha que decorreu na Ática, no lugar de
Maratona, e que viria ser um dos mais importantes acontecimentos da História
da Grécia Antiga. Em 2010,
completam-se dois mil e quinhentos anos sobre o conflito. Na sequência do
desaparecimento do Império Neo-Assírio, às mãos dos Medos dos Babilónios, a
Pérsia emergiu como o poder próximo-oriental que viria a reivindicar o domínio
sobre grande parte das cidades do Mediterrâneo levantino. Em 549
a.C., Ciro estendia já o seu poder sobre a Lídia e as cidades
gregas da Ásia Menor. Entre 529 e 522 a.C., foi a vez do seu filho, Cambises,
conquistar o Egipto, o que confirmou o Império Persa como potência
hegemónica. A consolidação do Império, porém, deu-se com Dario (521-486
a.C.), que enfrentou uma revolta das cidades gregas da Jónia, em 499 a.C.,
encabeçada pelos tiranos então no poder. Um desses tiranos foi Aristágoras
de Mileto, que procurou a ajuda da Hélade ocidental no processo. Esparta
recusou-lhe a ajuda, mas Atenas, com o apoio da cidade eubóica de Erétria, percebendo o perigo que vinha de
leste, decidiu enviar para o cenário de guerra um destacamento militar, constituído
por um corpo de hoplitas. Atenienses
e aliados chegaram a Sárdis e incendiaram a cidade em 498 a.C. Mas, quatro anos
depois, os Persas reagiram, invadiram a Jónia e esmagaram a revolta das
populações locais. A crer no testemunho de Heródoto, o saque de Mileto
traumatizou o pensamento colectivo de então, como teria mostrado a desaparecida
tragédia de Frínico, A Queda de
Mileto.
Reorganizado, Dario dirige então os seus
esforços para a Grécia ocidental. O general persa confia o comando de parte das
suas tropas a um sobrinho e genro, Mardónio, o qual, em 492 a.C., submete
a Trácia, a ilha de Taso e a Macedónia ao poder dos Persas. Dois anos
depois, em 492 a.C., uma frota persa chefiada por Dátis e Artafernes avança
sobre a Eubeia, ataca Erétria e destrói-a. Depois, os Persas desembarcam na
Ática, na localidade de Maratona. Não é impossível que a decisão de
desembarcar nesse lugar se tenha devido a um antigo tirano de Atenas, Hípias.
Em Atenas, perante o ataque iminente dos Persas, o pânico instala-se. O
conselho decide pedir auxílio aos Espartanos. O testemunho é passado por
dois autores antigos: Heródoto e
Luciano. Segundo o historiador de Halicarnasso, antes do confronto, os
estrategos atenienses incumbiram um
homem de nome Filípides de contactar os Lacedemónios, para que estes fossem em
auxílio dos Atenienses. Filípides teria então percorrido os 220 km que Atenas dista de Esparta em
apenas um dia. Mas, de acordo com Luciano, escritor do século II
d.C., Filípides teria morrido a
anunciar a vitória dos Atenienses em Maratona, depois de ter percorrido os
42,95 km que separam aquele demo da Ática da capital. Apesar de a
distância assinalada por Luciano ser menor, é mais provável a
verosimilhança da versão herodotiana, visto que o historiador escreveu numa
data muito próxima do acontecimento. Talvez haja apenas algum exagero no único
dia que teria durado a empresa de Filípides. Além disso, a versão de Luciano
está envolta em elementos patéticos, como o do anúncio da vitória dos
Atenienses e a morte quase imediata do mensageiro, por exaustão e ansiedade.
Apesar disso, foi esta versão tardia que mais se popularizou, difundiu e que serviu
de mote para a prova da maratona nos Jogos Olímpicos da época moderna.
Acontece que, nessa ocasião, os Espartanos
celebravam as Carnéades, pelo que, por motivos religiosos, recusaram-se a
partir antes da Lua Cheia. Foi assim que, com o um exército de cerca de dez mil
homens e apenas o auxílio dos Plateenses, à volta de um milhar, Atenas
enfrentou um inimigo bem mais poderoso. Entre os soldados, a capital da Ática tinha
Ésquilo, aquele que viria a ser um dos seus grande dramaturgos, e o
irmão deste, que todavia viria a perecer ali. Do lado grego, Calímaco assumiu o
comando. Mas o estratego da batalha foi Milcíades, que, estacionado na
planície de Maratona, entre a montanha e o mar, aproveitou o facto de os
Persas terem retirado parte das suas tropas para avançarem sobre Atenas para se
lançar sobre o remanescente oriental. Segundo Heródoto, 6400 persas foram
massacrados, enquanto apenas 192 homens caíram do lado ateniense, entre os
quais o seu polemarco Calímaco. Estamos claramente perante a tópica
retórica do número da historiografia antiga, embora nem todos os achem
exagerados, mas ao que parece a vitória coube de facto aos Gregos. A propósito da
batalha
de Maratona, Heródoto oferece-nos algumas das suas mais belas páginas.
Eis um exemplo:
- Combateu-se durante muito tempo em Maratona: no centro do exército, saíram vitoriosos os bárbaros, onde estavam posicionados os próprios Persas e os Sacas. Nesse ponto, portanto, os bárbaros levaram a melhor e, rompidas as defesas, perseguiram os inimigos no interior; mas, mas partes laterais, foram os Atenienses e os Plateenses quem venceu. Embora tivessem ganho, deixaram escapar os bárbaros que se haviam posto em fuga, preferindo juntar as duas alas e combater os que tinham rompido o centro das suas fileiras; e a vitória coube aos Atenienses. Depois, perseguiram os Persas em fuga, golpeando-os, até que, chegados ao mar, pegaram em fogo e atacaram os barcos... Nesta batalha de Maratona pereceram, do lado dos Bárbaros, cerca de seis mil e quatrocentos homens, e, dos Atenienses, cento e noventa e dois. Foram quantos caíram de ambas as partes.
Assim terminou a Primeira Guerra Médica.
A
batalha de Maratona marcou desde logo o imaginário popular dos Gregos,
como mostra o facto de terem colocado nos frisos do Pártenon tantos cavaleiros
quantos os Atenienses que caíram naquela refrega. Também Aristófanes chamou Marathonomachai
aos combatentes de Maratona, usando-os como símbolo da coragem dos
guerreiros da Atenas de outros tempos. E o epitáfio de Ésquilo viria a assinalar
como única glória do poeta apenas o facto de ele ter combatido em Maratona».
In
Nuno Simões Rodrigues, Nos 2500 Anos da
Batalha de Maratona, Revista Humanitas nº LXII, Universidade
de Lisboa, 2010, ISSN 0871-1569.
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